Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse: Eu sou dois!
Há um a brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
O outro vê-me a ver.
Estou por trás de mim
Mas se volto a cabeça
Não era o que eu qu’ria
A volta não é essa…
O outro menino
Não tem pés nem mãos,
Nem é pequenino
Não tem mãe ou irmãos.
E brinca comigo
Por trás de onde eu estou
Mas se volto a cabeça
Já não sei o que sou
O carro de bois
Depois já parece
Só um brinquedo
O tal que eu cá tenho
E sente comigo,
Nem pai, nem padrinho
Nem corpo ou amigo,
Tem alma cá dentro
‘Stá a ver-me sem ver
E o carro de bois
Começa a parecer
Uma coisa diferente
E ao pé de uma casa
E fico a pensar.
Fernando Pessoa – 5 de Dezembro de 1917
Sem comentários:
Enviar um comentário