quarta-feira, 30 de setembro de 2015

FAZ HOJE 80 ANOS




Se é mister a doença ou a desgraça
Para que a alma egoísta se convença
Do que os outros sofrem, pela dura graça
Da própria dor sentida porque passa,
Venha a nós a desgraça ou a doença!

Para que eu, ignaro e alegre, saiba
Que é meu irmão todo o que sofre e geme,
É mister que me turbe a dor ou a raiva,
Venha a raiva depressa e que a dor caiba
Ao meu incerto espírito que treme!

FERNANDO PESSOA, 30 DE SETEMBRO DE 1935


terça-feira, 29 de setembro de 2015

FAZ HOJE 95 ANOS




Eu no tempo não choro que me leve
A juventude, o já encanecer
A cabeça que pouco ainda esteve
Sob o Sol solto e a tarde a arrefecer.

Nem choro que não me ames, que faleça
O amor que vi em ti, que também haja
Uma tarde do amar, que desfaleça
E a noite fique, (...)
Mais que tudo choro já não te amar,
Sim, choro a tragédia de não ser o mesmo na alma,
De te ser infiel sem infidelidade,
De me ter esquecido de ti sem propriamente te aborrecer.

Não é o tempo ido em que te amei que choro.
Choro não te amar já por isso ser natural.
Choro ter-te esquecido, choro não me poder lembrar
Com saudade do tempo em que te amei.

Isso é que choro, sim, com as verdadeiras lágrimas
Que contém em si os piores mistérios -
A morte essencial das coisas,
O acabar das almas, mais grave que o dos corpos,
O abismo onde a única esperança é poder haver Deus
E um outro sentido desconhecido a tudo que se teve e se foi
Um outro lado, nem côncavo nem convexo à curva da vida.

FERNANDO PESSOA, 29 DE SETEMBRO DE 1920


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

FAZ HOJE 83 ANOS



Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas 'státuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós. carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

RICARDO REIS, 28 DE SETEMBRO DE 1932


domingo, 27 de setembro de 2015

FAZ HOJE 84 ANOS



Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos
Deixa-me crer
O que nunca poderei ser.

RICARDO REIS, 27 DE SETEMBRO DE 1931


sábado, 26 de setembro de 2015

FAZ HOJE 87 ANOS




D. FILIPA DE LENCASTRE

Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

FERNANDO PESSOA, 26 DE SETEMBRO DE 1928