sexta-feira, 30 de setembro de 2011

FAZ HOJE 76 ANOS





Se é mister a doença ou a desgraça
Para que a alma egoísta se convença
Do que os outros sofrem, pela dura graça
Da própria dor sentida porque passa,
Venha a nós a desgraça ou a doença!


Para que eu, ignaro e alegre, saiba
Que é meu irmão todo o que sofre e geme,
É mister que me turbe a dor ou a raiva,
Venha a raiva depressa e que a dor caiba
Ao meu incerto espírito que treme!


FERNANDO PESSOA, 30 DE SETEMBRO DE 1935

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

FAZ HOJE 85 ANOS





Pouco importa de onde a brisa
Traz o olor que nela vem.
O coração não precisa 
De saber o que é que é o bem.


A mim me baste nesta hora
A melodia que embala.
Que importa se, sedutora,
As forças da alma cala?


Quem sou, p'ra que o mundo perca
Com o que penso a sonhar?
Se a melodia me cerca
Vivo só o me cercar...


FERNANDO PESSOA, 29 DE SETEMBRO DE 1926

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

FAZ HOJE 85 ANOS



Não torna ao ramo a folha que o deixou,
Nem com o seu mesmo pé se uma outra forma.
O momento, que acaba ao começar
Este, morreu p'ra sempre.
Não me promete o incerto e vão futuro
Mais do que esta repetida experiência
Da mortal sorte e a condição perdida
Das cousas e de mim.
Por isso, neste rio universal
De que sou, não uma onda,senão ondas,
Decorro, inerte, sem pedido, nem
Deuses a quem o faça.


RICARDO REIS, 28 DE SETEMBRO DE 1926

terça-feira, 27 de setembro de 2011

FAZ HOJE 80 ANOS





Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos
Deixa-me crer
O que nunca poderei ser.





RICARDO REIS, 27 DE SETEMBRO DE 1931

FAZ HOJE 80 ANOS







Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isso, pensando, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa é vida.





RICARDO REIS, 27 DE SETEMBRO SE 1931

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

FAZ HOJE 87 ANOS





AUDITA CAECANT


Dormimos o universo; a extensa mole
Da confusão das cousas nos engana,
Sonhos; e a ébria confluência humana
Prolixa ecoa-se de prole em prole.


O ouvido atento que se às portas cole
Onda suspeita deuses, só se ufana
Das pulsações do sangue em si, que irmana
Sem som com passos que a distância estiole.


Cegos que um louco guia, atravessamos
A inútil extensão do que não vemos,
Barulhando ervas húmida e ramos.


Em nossa mão a mão do louco temos
E qualquer cousa dada desejamos
Que pela mão funesta recebemos.


FERNANDO PESSOA, 26 DE SETEMBRO DE 1924








Nota: A tradução da expressão latina que intitula este poema é a seguinte "As coisas ouvidas fazem cegar". 



domingo, 25 de setembro de 2011

FAZ HOJE 97 ANOS





CANÇÃO




Silfos ou gnomos tocam?...
Roçam nos pinheirais
Sombras e bafos leves
De ritmos musicais.


Ondulam como em voltas
De estradas não sei onde,
Ou como alguém que entre árvores
Ora se mostra ou esconde.


Forma longínqua e incerta
Do que eu nunca terei...
Mal oiço, e quase choro,
Por que choro não sei.


Tão ténue melodia
Que mal sei se ela existe
Ou se é só o crepúsculo,
Os pinhais e eu estar triste.


Mas cessa como uma brisa
Esquece a forma aos seus ais;
E agora não há mais música
Do que a dos pinheirais.


FERNANDO PESSOA, 25 DE SETEMBRO DE 1914

sábado, 24 de setembro de 2011

FAZ HOJE 88 ANOS





Ouço passar o vento na noite.
Sente-se no ar, e alto, o açoite
De não sei quem em não sei quê.
Tudo se ouve nada se vê.


Ah, tudo é símbolo e analogia.
O vento que passa, esta noite fria.
São outra cousa que a noite e o vento -
Sombras de Vida e de Pensamento.


Tudo nos narra o que nos não diz.
Não sei que drama a pensar desfiz
Que a noite e o vento narrando são.
Ouvi. Pensando-o, ouvi-o em vão.


Tudo é uníssono e semelhante.
O vento cessa, e noite adiante,
Começa o dia e ignorado existo.
Mas o que foi não é nada disto.


FERNANDO PESSOA, 24 DE SETEMBRO DE 1923


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

FAZ HOJE 79 ANOS





Quase anónima sorris
E o sol doura o teu cabelo.
Por que é que, p'ra ser feliz,
É preciso não sabe-lo?


FERNANDO PESSOA, 23 DE SETEMBRO DE 1932

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

FAZ HOJE 76 ANOS



PEDROUÇOS


Quando eu era pequeno não sabia
Que cresceria.
Pelo menos não o sentia.

Naquela idade o tempo não existe.
Cada dia é a mesma mesa
Com o mesmo quintal ao fundo;
E quando se sente tristeza
Está tristeza, mas não se está triste.

Eu era assim
E todas as crianças deste mundo
Assim foram antes de mim.

O quintal grande estava dividido
Por uma frágil grade, alta, de tiras
Cruzadas, de madeirinha,
Em horta e em jardim.

Meu coração anda esquecido,
Mas não minha visão. De ela não tires,
Tempo, esse quadro onde o feliz que eu fui
Dá-me uma felicidade ainda minha!

Inútil teu frio curso flui
Para quem das lembranças se acarinha.

FERNANDO PESSOA, 22 DE SETEMBRO DE 1935



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

FAZ HOJE 79 ANOS





Casa de campo, quarto sobre a estrada;
Noite não alta, mas deitei-me.Entreouço
Próximos guizos, carro, ou cavalgada.
Sonolento, remoço.


Mas bate-me, entre o sonho, o coração.
Quando eu morrer não faltará na estrada
(Minha mesma dormente confusão!)
Guizos, e o carro , ou cavalgada.


FERNANDO PESSOA, 21 DE SETEMBRO DE 1932

terça-feira, 20 de setembro de 2011

FAZ HOJE 77 ANOS





Ah, que maçada o piano
Eternamente a tocar
Lá em cima, no outro andar!


Ah, que tristeza o cessar!
Sempre era gente a tocar!
Sempre tinha companhia
Nessa constante arrelia.


Vizinha, se não morreu,
Que aquele piano seu
Volte de novo a maçar!
Sem ele penso e sou eu,
Com ele esqueço a sonhar...


Má música? Sim, mas há
Até na música má
Um sentimento de alguém.
Não sei quem o sente ou dá.
Não sei quem o dá ou tem.


Não deixe de me maçar
Com o contínuo tocar
Do seu piano frequente.
Ah, torne-me a arreliar
E mace-me eternamente!


A quem é só, tudo é mais
Que o que está naquilo que é.
Notas falsas, desiguais -
Não se importe: a minha fé,
Meu sonho, vão a reboque
Do que toca mal e até
Do piano do não sei quê...
Toque mal; mas toque, toque!


FERNANDO PESSOA, 20 DE SETEMBRO DE 1934



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

FAZ HOJE 78 ANOS





Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, o houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.


Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E sua própria essência conseguido.


Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.


FRENANDO PESSOA, 19 DE SETEMBRO9DE 1933

domingo, 18 de setembro de 2011

FAZ HOJE 78 ANOS





Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.


Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.


Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.


FERNANDO PESSOA, 18 DE SETEMBRO DE 1933

sábado, 17 de setembro de 2011

FAZ HOJE 76 ANOS





UN SOIR À LIMA


Vem a voz da radiofonia e dá
A notícia num arrastamento vão:
"A seguir
Un Soir à Lima...


Cesso de sorrir...
Para-me o coração...


E, de repente,
Essa querida e maldita melodia
Rompe do aparelho inconsciente...
Numa memória súbita e presente
Minha alma se extravia...


O grande luar da África fazia
A enconsta arborizada alvinitente.


A sala  em nossa casa era ampla, e estava
Posta  onde, até ao mar, tudo se dava
À clara escuridão do luar ingente...
Mas só eu, à janela.
Minha mãe estava ao piano
E tocava...
Exactamente
Un Soir à Lima.


Meu Deus que longe, que perdido isso está!
Que é do seu alto porte?
Da sua voz continuamente acolhedora?
Do seu sorriso carinhoso e forte?
O que hoje há
Que mo recorda é isso que ouço agora:
Un Soir à Lima.
Prossegue na telefonia
A mesma, a mesma melodia
O mesmo Un Soir à Lima.


Seu cabelo grisalho era tão lindo
Sob a luz
E eu que nunca julguei que ela morresse
E me deixasse entregue a quem eu sou!
Morreu, mas eu sou sempre o seu menino.
Ninguém é homem para a sua mãe.


E inda através das lágrimas não falha
À memória que tenho
O recorte perfeito de medalha
Daquele perfeitíssimo perfil.
Chora, ao lembrar-te, mãe, romana e já grisalha,
Meu coração sempre infantil.
Vejo teus dedos no teclado e há
Luar lá fora eternamente em mim.
Tocas em meu coração, sem fim,
Un Soir à Lima.


"Os pequenos dormiram logo?"
"Ora, dormiram logo."
"Esta está quase a dormir"
E tu, sorrindo ao responder, continuavas
O que tocavas -
Atentamente tocavas -
Un Soir à Lima.


Tudo que fui quando não era nada,
Tudo o  que amei e sei só em verdade
Que o amei por não ter hoje estrada
Que tenha qualquer realidade,
Por não ter dele mais que a saudade -
Tudo isso vive em mim
Por luzes, música e a visão
Que não tem fim
Dessa hora eterna no meu coração,
Em que voltavas
A folha irreal da música a tocar
E eu te ouvia e via
Continuar
A eterna melodia
Que está
No fundo eterno desta nostalgia
De quando, mãe, tocavas
Un Soir à Lima.


E o aparelho indiferente
Traz da emissora inconsciente
Un Soir à Lima.


Eu não sabia então que era feliz.
Hoje, que o  já não sou, sei bem que o era.


"Esta também está a dormir..."
"Não está."
Ficámos todos a sorrir
E eu distraidamente vou
Continuando a ouvir,
Longe do luar que há
E que lá fora existe duro e só,
O que me faz sonhar sem o sentir,
O que hoje faz com que tenha de mim dó
Esse canto sem voz, teclado e brando
Que minha mãe estava tocando -
Um Soir à Lima.


Não ter aqui numa gaveta,
Não ter aqui numa algibeira,
Fechada, havida, completa,
Essa cena inteira!
Não poder arrancar
Do espaço, do tempo, da vida
E isolar
Num lugar
Da alma onde ficasse possuída
Eternamente
Viva, quente,
Essa sala, essa hora,
Toda a família e a paz  e a música que há 
Mas real como ali está,
Ainda, agora,
Quando, mãe, mãe, tocavas
Un Soir à Lima.


Mãe. mãe, fui teu menino
Tão bem dobrado
Na sua educação
E hoje sou o trapo que o Destino
Fez enrolado e atirado
Para um canto do chão.


Jazo, mesquinho,
Mas ao meu coração
Sobe, em torvelinho
A memória de quanto ouvi do que há
No que há de carícia, de lar, de ninho,
Ao relembrar o ouvi, hoje, meu Deus, sozinho
Un Soir à Lima.


Onde é que a hora, e o lar e o amor está
Quando, mãe, mãe, tocavas
Un Soir à Lima?


E num recanto de cadeira grande
Minha irmã,
Pequena e encolhida
Não sabe se dorme se não.


Eu tenho sido tanta coisa vil!
Tenho traído tanto do que sou!
Meu espírito sedento
De raciocinador subtil
Quantas vezes prolixamente errou!
Quantas vezes até o pensamento
Inanimadamente me enganou!


Já que não tenho lar,
Deixa-me estar
Nesta visão
Do lar de então
Deixa-me ouvir, ouvir, ouvir -
Eu à janela
Do nunca mais deixar de sentir,
Nessa sala, a nossa sala, quente
Da África ampla onde o luar está
Lá fora vasto e indiferente
Nem mal nem bem
E onde, no meu coração
Mãe. mãe
Tocas visivelmente
Tocas eternamente
Un Soir à Lima.


Meu padrasto
(Que homem, que alma, que coração!)
Reclinava o seu corpo basto
De atleta sossegado e são
Na poltrona maior
E ouvia, fumando e cismando,
E o seu olhar azul não tinha cor.
E minha irmã, criança,
No recanto da sua poltrona
Enrolada, ouvia a dormir
E a sorrir
Que estava alguém tocando
Se calhar uma dança...
E eu de pé, ante a janela
Via todo o luar de toda a África inundar
A paisagem e o meu sonhar.


Onde tudo isso está?
Un Soir à Lima,
Quebra-te, coração!


Mas entorpeço.
Não sei se vejo se adormeço,
Se sou quem fui,
Não sei se lembro, nem se esqueço.
Há qualquer coisa que indistinta flui
Entre o que eu sou e o que eu era
E é como um rio, ou uma brisa, ou um sonhar,
Qualquer coisa que não se espera,
Que se suspende de repente
E, do fundo aonde ia acabar,
Surge cada vez mais distintamente,
Num halo de suavidade
E nostalgia,
Onde o meu coração ainda está,
Um piano, uma presença, uma saudade...
Durmo encostado a essa melodia -
E oiço que minha mão toca,
Oiço, já com o sal das lágrimas na boca,
Un Soir à Lima.


O véu das lágrimas não cega.
Vejo, a chorar,
O que essa musica me entrega -
A mãe que eu tinha, o antigo lar,
A criança que fui,
O horror do tempo porque flui,
O horror da vida, porque é só matar.
Vejo, e adormeço,
E no torpor em que me esqueço
Estou vendo minha mãe tocar.
E essas mão brancas e pequenas,
Cuja carícia nunca mais me afagará,
Tocam ao piano, cuidadosas e serenas,
Un Soir à Lima.


Ah, vejo tudo claro!
Estou outra vez ali.
Afasto do luar externo e raro
Os olhos com que o vi.


Mas, quê? Divago, e a música acabou...
Divago como sempre divaguei
Sem ter na alma certeza de quem sou,
Nem verdadeira fé ou firme lei.


Divago, crio eternidades minhas
Num ópio de memória e de abandono
Entronizo fantásticas rainhas
Sem para elas ter um trono.


Sonho porque me banho
No rio ideal da música evocada.
Minha alma é uma criança esfarrapada
Que dorme num recanto obscuro.
De meu só tenho,
Na realidade certa e acordada,
Os trapos da minha alma abandonada
E a cabeça que sonha contra o muro.


Mas. mãe, não haverá
Um Deus que me não torne tudo vão,
Um outro mundo em que isso agora está?
Divago anda: tudo é ilusão.
Um Soir à Lima...


Quebra-te coração...


FERNANDO PESSOA, 17 DE SETEMBRO DE 1935





sexta-feira, 16 de setembro de 2011

UM POEMA SEM DATA





Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade 
De rosas -
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.


RICARDO REIS, ODE IX DO "LIVRO PRIMEIRO"




Nota: As odes do "Livro Primeiro"  foram publicadas, em conjunto, na revista "Athena" no dia 1/10/1924, todas sem data. Como, não existe nenhum poema, com data do dia de hoje, aproveitei para colocar no blogue, um dos mais belos e simples poemas do Ricardo Reis. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

FAZ HOJE 77 ANOS





Quando se está cansado e apraz ser outro
Só porque isso é impossível, há vagar
Para pensar que há um  género que é neutro
No latim virgem do sonhar.


Sim, há cansaços sem saber de quê
Que tornam toda a vida e a sua sina
Uma coisa indecisa que não é
Masculina ou feminina.


Há estados de sem alma que se alastram
Pelos domínio quedos da razão
Com cheias de rios que desbastam
Com a sua fecundação.


Depois regressa ao leito o rio antigo
E a alma volve à quietação que teve.
E o que nos foi amigo e inimigo
Nem homem nem mulher esteve


Foi um andrógino da noite muda
Que transmudou em nós o que pensou...
E a alma se ergue do leito em que foi surda
E já não sabe o que sonhou.


FERNANDO PESSOA, 15 DE SETEMBRO DE 1934



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

FAZ HOJE 92 ANOS





À NOITE


O silêncio é teu gémeo no infinito.
Quem te conhece, sabe não buscar.
Morte visível, vens dessedentar
O vago mundo, o mundo estreito e aflito.


Se os teus abismos constelados fito,
Não sei quem sou nem qual o fim a dar
A tanta dor, a tanta ânsia par
Do sonho, e a tanto incerto em que medito.


Que vislumbre escondido de melhores
Dias ou horas no teu campo cabe?
Véu nupcial do fim de fins e dores.


Nem sei a angústia que vens consolar-me.
Deixa que eu durma, deixa que eu acabe
E que a luz nunca venha despertar-me.


FERNANDO PESSOA, 14 DE SETEMBRO DE 1919 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

FAZ HOJE 77 ANOS





Deslembro incertamente. Meu passado
Não sei quem o viveu. Se eu mesmo fui,
Está confusamente deslembrado
E logo em mim inobservado flui.


Não sei quem fui nem sou. Ignoro tudo.
Só há de meu o que me vê agora -
Campo verde, natural e mudo
Que um vento que não vejo vago aflora.


Sou tão parado em mim que nem o sinto.
Vejo, e onde o vale se ergue para a encosta,
Vai meu olhar seguindo o meu instinto
Como quem olha a mesa que está posta.


FERNANDO PESSOA, 13 DE SETEMBRO DE 1934