quinta-feira, 31 de julho de 2014

FAZ HOJE 84 ANOS




Gradual, desde que o calor
Teve medo,
A brisa ganhou alma, à flor
Do arvoredo.

Primeiro, os ramos animaram
As folhas que há,
Depois, cinzentos, oscilaram,
E depois já

Toda a árvore era um movimento
E o fresco viera.
Medita sem ter pensamento!
Ignora e 'spera!


FERNANDO PESSOA, 31 DE JULHO DE 1930


quarta-feira, 30 de julho de 2014

FAZ HOJE 100 ANOS



Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo
E casuais, interrompidas sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do sol),
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupa
O outrora componhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos
E há noite lá fora.

RICARDO REIS, 30 DE JULHO DE 1914


terça-feira, 29 de julho de 2014

FAZ HOJE 91 ANOS



Tornar-te-ás só quem tu sempre foste.
O que te os deuses dão, dão no começo.
De uma só vez o Fado
Te dá o fado, que é um.

A pouco chega pois o esforço posto
Na medida da tua força nata -
A pouco, se não foste
Para mais concebido.

Contenta-te com seres quem não podes
Deixar de ser. Inda te fica o vasto
Céu pra cobrir-te, e a terra,
Verde ou seca a seu tempo.


RICARDO REIS, 29 DE JULHO DE 1923


segunda-feira, 28 de julho de 2014

FAZ HOJE 91 ANOS




Sem dor que seja dolorosa, ou medo
Que seja mais do que um receio,
Dói no meu coração, como em segredo,
Indefinido anseio.

Humilha como se eu fora humilhado,
Pesa, seja o que for,
Nem, como a grande dor, contém o agrado
De ser a grande dor.

É uma cousa mesquinha e insubsistente,
Constituída por desolações.
De quê? Não fora desoladamente
Tantas indecisões

Se eu soubera que fim ou que miragem,
Que entrevisível sonho
Põe a dor de eu não tê-lo na passagem
Deste amplo ócio tristonho.



FERNANDO PESSOA, 28 DE JULHO DE 1923