FÉRIAS DE SETEMBRO
Aqui estou posto, onde
algas e cortiça
À praia sem ninguém a
maré traz;
Onde não há verdade nem
justiça
Mas só o som sem nada
que o mar faz.
E aqui, ao pé do antigo
promontório,
Alheio em pedra bruta ao
nome seu,
Volto, depois de um
grande fado inglório,
À confusa substância que
sou eu.
Tantas grandezas me
pesaram na alma,
Tanta vicissitude me
formou,
Que agora, a sós sem
mim, não sei da calma
Que deveria ter, nem sei
quem sou.
Fui tão estrangeiro no
que fui, tão vago
Andei de mim em quanto
consegui,
Que me recolho como o
fim de um estrago
Do que me resta, e não é
nada em si.
Pensei, fugindo às
torres e às praças,
Trazer comigo eu mesmo,
e aqui me achar,
Liberto de venturas e
desgraças,
Tal qual eu sou, sem
nada me alterar.
Mas ai!, não é em vão
que se caminha
Fora da alma, entregue à
vida e à sorte.
A alma que trago já não
é a minha.
Sou um sobrevivente à
própria morte.
Deixei quem fui nas
algas e a cortiça
De um mar pior que este
que se ergue aqui.
Aqui não há verdade nem
justiça.
Não as achei também onde
vivi.
Pesa-me a simples
natureza. Anseio
Por me encontrar, e
sinto-me sentir
Que só voltando ao
exílio de onde veio
Minha alma poderá se
conseguir.
Mas nem posso ficar nem
regressar.
Vendi a alma aos dias e às
noções.
Não tenho pátria em mim
a que voltar,
Nem próprios pensamentos
ou emoções.
Metade meu, metade
alheio, agora.
FERNANDO PESSOA, 31 DE
JANEIRO DE 1930