PARAGEM ZONA
Tragam-me esquecimento em travessas!
Quero comer o abandono da vida!
Quero perder o hábito de gritar para
dentro.
Arre, já basta! Não sei o quê, mas
já basta...
Então viver amanhã, hein?... E o que
se faz hoje?
Viver amanhã por ter adiado hoje?
Comprei por acaso um bilhete para
esse espectáculo?
Que gargalhadas daria quem pudesse
rir!
E agora aparece o eléctrico - o de
que eu estou à espera -
Antes fosse outro... Ter de subir
já!
Ninguém me obriga, mas deixá-lo
passar, porquê?
Só deixando passar todos, e a mim
mesmo, e à vida...
Que náusea no estômago real que é a
alma consciente!
Que sono bom o ser outra pessoa
qualquer...
Já compreendo por que é que as
crianças querem ser guarda-freios...
Não, não compreendo nada...
Tarde de azul e ouro, alegria das
gentes, olhos claros da vida...
ÁLVARO DE CAMPOS, 28 DE MAIO DE 1930