domingo, 31 de dezembro de 2017

FAZ HOJE 103 ANOS


Quem sou és tu
Ideia que de mim faço...
Estendo o braço
E o braço é nu
Mesmo de espaço...

Sai desde Deus
Até ser meu...
Em torno há os céus...
E além do céu
Ainda estou eu...

Na noite estendo
Meu braço, parte
Do que vou sendo...
Ei-lo, o estandarte
De Deus...


FERNANDO PESSOA, 31 DE DEZEMBRO DE 1914


sábado, 30 de dezembro de 2017

FAZ HOJE 89 ANOS


NATAL

Natal. Na província neva.
Nos lares aconchegados
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só, e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei.

FERNANDO PESSOA, 30 DE DEZEMBRO DE 1928


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

FAZ HOJE 106 ANOS


O BIBLIÓFILO

Ó ambições!... Como eu quisera ser
Um pobre bibliófilo parado
Sobre o eterno fólio desdobrado
E sem mais na consciência de viver.

Podia a primavera enverdecer
E eu sempre sobre o livro recurvado
Sorriria a um arcaico passado
De uma medieval moça e qualquer.

A vida não perdia nem ganhava
Nada por mim, nenhum gesto meu dava
Com gesto mais ao seu Amor profundo.

E eu lia, a testa contra a luz acesa,
Sem nada querer ser como a beleza
E sem nada ter sido como o mundo.

FERNANDO PESSOA, 29 DE DEZEMBRO DE 1911


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

FAZ HOJE 98 ANOS




CLARIM! OS MORTOS!

Clarim! Os mortos!

Contra Miguel de Vasconcellos
Republicano!

Eis outra vez o estrangeiro
Em Portugal!
Grita, clarim! Ao Conde Andeiro!
Mas quando a hora do Limoeiro
E do punhal?

Clarim, contra quem deu à França
A pátria e a grei,
Grita com fogo de esperança,
Vozes que chamem
O Rei!

E ao abismo do futuro clama
Por quem enfim
Vier, régia lusitana chama!
Pelo Rei que a Esperança chama,
Grita, clarim!

O Rei, a Lei, dias melhores ...
Não sejam mais, nem já mais vezes
Os marinheiros portugueses
Guarda Vermelha dos Traidores!

Hoje em que nada é português
Salvo a desgraça,
E em que um sopro maligno e soez
Por sobre as nossas almas passa;

Hoje em que manda quem serviu
Por condição,
E o próprio amor à Pátria é frio
Por Pátria ser um nome vão;

Hoje que, ruído o trono e a glória,
Só o Traidor
O louro e o ouro da vitória
Goza, vil como um vil actor;

Hoje uma voz que se levante
E diga, embora
Chore de ver, chorando cante,
Que vem nascendo além a Aurora,

Diga em palavras já tocadas
De outra Visão,
O Rei, e a Vinda das Espadas,
E o fim da Horda e da Traição.

FERNANDO PESSOA, 28 DE DEZEMBRO DE 1919