quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FAZ HOJE 85 ANOS




Nas altas árvores começa
Mas, de repente, o vento cessa,
E cessa a música, se a houve.

Também, no meu coração triste,
Aquele anseio que se esquece
E que na alma tanto insiste,
E acaba, sem que eu o tivesse.

Nas altas árvores o vento
Parece estar ou talvez não,
Ouve-o quem não lhe está atento,
Cessa se volta uma atenção.
Pelas florestas sossegadas

Onde um cantar de cisma se ouve,
Também (...)



FERNANDO PESSOA, 31 DE DEZEMBRO DE 1930

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FAZ HOJE 87 ANOS




NATAL

Natal. Na província neva.
Nos lares aconchegados
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só, e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei.


FERNANDO PESSOA, 30 DE DEZEMBRO DE 1928

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

FAZ HOJE 104 ANOS



O BIBLIÓFILO

Ó ambições!... Como eu quisera ser
Um pobre bibliófilo parado
Sobre o eterno fólio desdobrado
E sem mais na consciência de viver.

Podia a primavera enverdecer
E eu sempre sobre o livro recurvado
Sorriria a um arcaico passado
De uma medieval moça e qualquer.

A vida não perdia nem ganhava
Nada por mim, nenhum gesto meu dava
Com gesto mais ao seu Amor profundo.

E eu lia, a testa contra a luz acesa,
Sem nada querer ser como a beleza
E sem nada ter sido como o mundo.

FERNANDO PESSOA, 29 DE DEZEMBRO DE 1911


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

FAZ HOJE 96 ANOS




Clarim! Os mortos!

Contra Miguel de Vasconcellos
Republicano!

Eis outra vez o estrangeiro
Em Portugal!
Grita, clarim! Ao Conde Andeiro!
Mas quando a hora do Limoeiro
E do punhal?

Clarim, contra quem deu à França
A pátria e a grei,
Grita com fogo de esperança,
Vozes que chamem
O Rei!

E ao abismo do futuro clama
Por quem enfim
Vier, régia lusitana chama!
Pelo Rei que a Esperança chama,
Grita, clarim!

O Rei, a Lei, dias melhores ...
Não sejam mais, nem já mais vezes
Os marinheiros portugueses
Guarda Vermelha dos Traidores!

Hoje em que nada é português
Salvo a desgraça,
E em que um sopro maligno e soez
Por sobre as nossas almas passa;

Hoje em que manda quem serviu
Por condição,
E o próprio amor à Pátria é frio
Por Pátria ser um nome vão;

Hoje que, ruído o trono e a glória,
Só o Traidor
O louro e o ouro da vitória
Goza, vil como um vil actor;

Hoje uma voz que se levante
E diga, embora
Chore de ver, chorando cante,
Que vem nascendo além a Aurora,

Diga em palavras já tocadas
De outra Visão,
O Rei, e a Vinda das Espadas,
E o fim da Horda e da Traição.

FERNANDO PESSOA, 28 DE DEZEMBRO DE 1919


domingo, 27 de dezembro de 2015

FAZ HOJE 97 ANOS




BÁQUICA MEDIEVAL

O nosso patrão é pai.
Faz-nos o bem..
Bebamos à saúde dele,
E à nossa também!
Não falte trigo p'ra semente,
Remédio ao doente,
Nem vinho à gente!

O nosso rei é padrinho.
Que Deus o ajude!
Bebamos à saúde dele
E à nossa saúde!
Não falte caridade a quem deve,
Direito a quem recebe
Nem vinho a quem bebe!

E vá à saúde da terra,
Que é bem preciso!
Livre-nos Deus, a nós e a ela,
De seca e granizo!
Que há três coisas que Deus proibiu -
A fome, o frio,
E um copo vazio!

FERNANDO PESSOA, 27 DE DEZEMBRO DE 1918