segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

FAZ HOJE 76 ANOS



Ali não havia electricidade.

Por isso foi à luz de uma vela mortiça

Que li, inserto na cama,

O que estava à mão para ler –

A Bíblia, em português, porque, (coisa curiosa!) eram protestantes.

E reli a Primeira Epístola aos Coríntios.

Em torno de mim o sossego excessivo das noites de província

Fazia um grande barulho ao contrário,

Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A Primeira Epístola aos Coríntios…

Reli-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima,

E um grande mar de emoção chorava dentro de mim…



Sou nada…

Sou uma ficção…

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?

“Se eu não tivesse a caridade”…

E a soberana voz manda, do alto dos séculos,

A grande mensagem com que a alma fica livre…

“Se eu não tivesse a caridade”…

Meus Deus, e eu não tenho a caridade!...



ÁLVARO DE CAMPOS, 20 DE DEZEMBRO DE 1934

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