Era uma criança pobre a passar
Tão pequena, e um seu olhar
Pousou em mim, pousou em vão,
Porque eu ia passando, pensando,
Em grandes coisas meditando.
Deixara em casa o coração.
Mas depois acordei, e vi
Que não sentia, que não senti.
Eu creio em Deus e em Cristo, mas não
Tive ali o meu coração.
Porque é que eu penso tanto e ando
Alheado a quem vai passando
No Mundo, e é criança até?
Porque é que eu tenho ‘sperança e fé
E não sou nada do que sou?
Por que é que a criança passou
Sem que eu sequer a olhasse bem?
Meu coração não é ninguém !
Ah, o crime de não ter sentido
Naquele olhar pobre e volvido
Para os meus olhos a sua dor!
E eu sou poeta e pensador !
FERNANDO PESSOA, 11 de Dezembro de 1933
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