sábado, 31 de maio de 2014

FAZ HOJE 87 ANOS




Solene passa sobre a fértil terra
A branca, inútil nuvem fugidia,
Que um negro instante de entre os campos ergue
Um sopro arrefecido.

Tal me alta na alma a lenta ideia voa
E me enegrece a mente, mas já torno,
Como a si mesmo o mesmo campo, ao dia
Da imperfeita vida.


RICARDO REIS, 31 DE MAIO DE 1927

sexta-feira, 30 de maio de 2014

FAZ HOJE 83 ANOS



Não digas que, sepulto, já não sente
O corpo, ou que a alma vive eternamente.
Que sabes tu do que não sabes? Bebe!
Só tens de certo o nada do presente.

Depois da noite, ergue-se do remoto
Oriente, com um ar de ser ignoto,
Frio, o crepúsculo da madrugada...
Do nada do meu sono ignaro broto.

Deixa aos que buscam o buscar, e a quem
Busca buscar julgar que busca bem.
Que temos nós com Deus e ele connosco?
Com qualquer coisa o que é que uma outra tem?

Sultão após sultão esta cidade
Passou, e hora após hora a vida, que há-de
Durar nela enquanto ela aqui durar,
Nem ao sultão ou a nós deu a verdade.

FERNANDO PESSOA, 30 DE MAIO DE 1931


quinta-feira, 29 de maio de 2014

FAZ HOJE 96 ANOS



Última estrela a desaparecer antes do dia,
Pouso no teu trémulo azular branco os meus olhos calmos,
E vejo-te independentemente de mim,
Alegre pela vitória que tenho em poder ver-te,
Sem 'estado de alma' nenhum, senão ver-te.
A tua beleza para mim está em existires.
A tua grandeza está em existires inteiramente fora de mim.

ALBERTO CAEIRO, 29 DE MAIO DE 1918


quarta-feira, 28 de maio de 2014

FAZ HOJE 85 ANOS



Disseram todos que eras feia.
Eu vi-te e, sim, era verdade.
Mas teu olhar, não há quem leia
Nele essa grande suavidade
Que não deixa que sejas feia?

Feia? Feição após feição,
Sim, tudo em ti não dá agrado,
E não é boa a sensação
Do teu rosto (…)
Mas teu olhar que coração...

Amarei outra, tal é a sorte,
Esquecer-te-ei - é essa a vida...
Mas quando vier o mal ou a morte
Sei que terei neles guarida
E o teu olhar será faro e norte.

Não, ainda não sou velho. Adeus...
Se amar, não te amarei a ti...
Mas o que vi nos olhos teus
Não o terei (…)

Talvez a vida tal me seja
Que viva e morra sem pensar
Que existes (…)

Ires comigo pela rua?
Pelo meu braço? Ao pé de mim?
Julgarão que a minha alma é tua...
Não, não... És feia, e é isso enfim
E os outros por descrer (…)...


FERNANDO PESSOA, 28 DE MAIO DE 1929