sexta-feira, 30 de novembro de 2012
FAZ HOJE 99 ANOS
Olho a calma alegria
Que do mar ao céu lê
A alma corredia...
E a beleza do dia
Doí-me não sei porquê...
Que perdi eu que a Hora
Lembre sem eu saber?
Dentro de mim que chora
Só porque rememora
O que não pude ter?...
Inquieto e disperso
Pelo mar e na luz
Sinto todo o universo
Magoar-me de imerso
Em calmo horror a flux...
Tão falso e inquieto tudo
Tão sereno por fora!
E por dentro da Hora
O Enigma sempre mudo
Com que a alma descora!
FERNANDO PESSOA, 30 DE NOVEMBRO DE 1913
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
FAZ HOJE 78 ANOS
Sonhei - quem não sonhara? - porque a tarde
Baixava o azul do céu e já se via
Uma estrela pequena, sem alarde,
Ainda em dia a desmentir o dia.
Tudo quanto mal fiz ou não queria
Numa fogueira que não vejo arde,
Meu coração, que espera e, não confia
É como um poço ao qual a água tarde.
Sonhei. Pois não havia de sonhar
Vendo ante mim este céu brando e o mar,
Ao longe, um lago, parecer parado...
Sonho... Não sei de quê mas foi de um bem
Que não sei se era algum ou se era alguém
E que só conheci como ignorado.
FERNANDO PESSOA, 29 DE NOVEMBRO DE 1934
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
FAZ HOJE 78 ANOS
Não! Isso não!
Não tragas com essa cantiga -
Esse mero som de canção -
A tristeza de uma alegria antiga
Ao meu coração.
Essa cantiga de Lisboa
Era a que me cantava
Minha mãe quando eu mal andava.
A vida era então eu bebé e boa
E dia a dia a mesma estava.
Porque foste cantar
O que veio acordar
Em meu coração, que dormia!
Como que um som de mar
Como que um ar de maresia?
Já sou triste bastante
Para que precise
Que a tua voz, a distraída, cante,
Sem que com o canto encante
O antigo, o amigo, Ah, dize, dize...
Dize ainda que eu sofra... Canta bem -
Ou mal - nada me importa - essa canção
Com que me embalava minha mãe,
Longe, longe, quando eu era ninguém
E andava ao colo, e também
Não tinha que pensar nem ter razão.
FERNANDO PESSOA, 28 DE NOVEMBRO DE 1934
terça-feira, 27 de novembro de 2012
FAZ HOJE 80 ANOS
Sorriso audível das folhas,
Não és mais que a brisa ali.
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir, ri.
Ri, e olha de repente,
Para fins de não olhar,
Para onde nas folhas sente
O som do vento passar.
Tudo é vento e disfarçar.
Mas o olhar, de estar olhando
onde não olha, voltou;
E estamos os dois falando
O que se não conversou.
Isto acaba ou começou?
FERNANDO PESSOA, 27 DE NOVEMBRO DE 1932
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
FAZ HOJE 99 ANOS
JANELA SOBRE O CAIS
O cais, navios, o azul do céu -
Que será tudo isto como o vê Deus?
Que forma real tem isto tudo
Do lado de onde não é absurdo?
Olho e de tudo me perco e o estranho
É como se tudo fosse castanho -
O cais - que irreal de pesado e quedo
Os mastros dos barcos estagnam medo
O céu azul é sem razão céu...
Mostrou-se tudo seu próprio véu
E agora erguendo-se na hora incerta
O mundo fica uma porta aberta
Por onde se vê, simples e mais nada,
Uma outra porta sempre fechada.
Entre a vida e o sonho, entre o sol e Deus
Há enormes abismos pálidos e ateus...
FERNANDO PESSOA, 26 DE NOVEMBRO DE 1913
domingo, 25 de novembro de 2012
FAZ HOJE 81 ANOS
Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São - tictac visível - quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.
Quem será? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira a que agarro,
Debruço-me para o infinito, e, um pouco, para mim.
Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita...
Tem graça; não tens luz eléctrica.
Ó candeeiro de petróleo da minha infância perdida!
ÁLVARO DE CAMPOS, 25 DE NOVEMBRO DE 1931
sábado, 24 de novembro de 2012
FAZ HOJE 87 ANOS
No ciclo eterno das mudáveis cousas
Novo inverno após novo outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me infiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
FAZ HOJE 94 ANOS
Manhã que raias sem olhar a mim,
Sol, que luzes sem qu'erer saber de eu ver-te,
É por mim que sois
Reais e verdadeiros.
Porque é na oposição ao que eu desejoQue sinto real a natureza e a vida.
No que me nega sinto
Que existe e eu sou pequeno.
E nesta consciência torno-a grande
Como a onda, que as tormentas atiraram
Ao alto ar, regressa
Pesada a um mar mais fundo
RICARDO REIS, 23 DE NOVEMBRO DE 1918
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
FAZ HOJE 84 ANOS
A 'sperança, como a um fósforo inda aceso,
Joguei ao chão, e ardeu no chão ileso.
A falha natural do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.
Cada dia me traz com que 'sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa da 'sperança...
Mas vivo de 'sperar de cansar.
O prometido nunca será dado
Porque com prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se esperar é doce,
Gozou-se com esperá-lo, e é acabado.
Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso vingador, e o dado
Rolou da mesa abaixo,sem ser visto
Nem o buscou o jogador cansado.
FERNANDO PESSOA, 22 DE NOVEMBRO DE 1928
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
FAZ HOJE 84 ANOS
Quem diz ao dia, Dura! e à treva, Acaba!
A si não diz, Não digas!
Sentinelas absurdas vigilamos,
Ínscios dos contendentes.
Uns sob o frio, outros no ar brando, guardam
O posto e a insciência sua.
RICARDO REIS, 21 DE NOVEMBRO DE 1928
terça-feira, 20 de novembro de 2012
FAZ HOJE 98 ANOS
Chove muito, chove excessivamente...
Chove e de vez em quando faz um vento frio...
Estou triste, muito triste, como se o dia fosse eu.
Num dia no meu futuro em que chova assim também
E eu, à janela, de repente me lembre do dia de hoje,
Pensarei eu "ah nesse tempo eu era mais feliz"
Ou pensarei " ah, que tempo triste foi aquele"!
Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me dirá o passado que é hoje só presente?...
O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração.
ÁLVARO DE CAMPOS, 20 DE NOVEMBRO DE 1914
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
FAZ HOJE 82 ANOS
INFÂNCIA
Num grande espaço, onde é clareira, vão
Bailando as fadas e há luar ali.
Se quem olha é feliz, não vê senão
Uma sombra no chão, que é a de si.
Mas se quem olha não conhece nada
E deixa a vida ser o que ela é,
Seus olhos vêem claro cada fada
E cada fada é que merece fé.
Assim ao bosque solitário, e cheio
De cousas de que a quem vive são não-ser,
Levei meu sonho à noite de passeio
E, porque não sou nada, pude ver.
Assisti, distraído de ser eu,
Ao bailado das fadas entre si,
E não conheço história de haver céu
Igual à dança anónima que vi.
Com que grande vontade do desejo
Eu dera a alma inteira só por ter
Um momento a floresta e o ensejo
E as fadas todas para conhecer.
Criança contra os Deuses, minha sorte
Acabaria ali, dançando ao luar,
E era melhor do que ter vida e morte,
E uma alma imortal com que contar.
Mas tudo isso é sonho, ainda que não.
Fadas, se existem, são de pouca dura.
Só a maçada de Deus tem duração,
Só a Realidade não tem cura.
Quero o luar, quero o luar e as fadas!
Quero não ter deuses nem deveres!
Matem-me ao luar, em áleas afastadas!
Corpo e alma enterrem-me entre malmequeres!
FERNANDO PESSOA, 19 DE NOVEMBRO DE 1930
domingo, 18 de novembro de 2012
FAZ HOJE 83 ANOS
VII
Talvez quem vê bem não sirva para sentir
E não agrade por estar muito antes das maneiras.
É preciso ter modos para todas as cousas,
E cada cousa tem o seu modo, e o amor também.
Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas
Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir.
Amei e não fui amado, o que só vi no fim,
Porque não se é amado como se nasce mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes,
E eu continuo como era dantes, sozinho no campo.
Como se estivesse estado de cabeça baixa,
Penso isto e fico de cabeça alta
E o dourado sol seca a vontade de lágrimas que não posso deixar de ter.
Como o campo é grande e o amor é pequeno!
Olho, e esqueço, a forma como a gente enterra e as árvores se desfolham.
Eu não sei falar porque estou a sentir.
Estou a escutar a minha voz como se fosse de outra pessoa,
E a minha voz fala dela como se ela é que falasse.
Tem o cabelo de um louro amarelo de trigo
ao sol claro,
E a boca quando fala diz cousas que não há nas palavras.
Sorri, e os dentes são limpos como as pedras do rio.
ALBERTO CAEIRO, 18 DE NOVEMBRO DE 1929 (Do Pastor Amoroso)
sábado, 17 de novembro de 2012
FAZ HOJE 98 ANOS
RAIO DE SOL
Ando à busca de outro
Que consiga o ser
Tão variado e neutro
Que sinto ao viver...
A hora nos embala?
Mas viver é só isso...
E tudo se cala
Como por feitiço
E mais inconsciente
Do mistério que arde
No poente cinzento
Com restos de alarde...
Nós não somos nada
Minha dolorida
A alma é uma estrada...
E onde é o fim da vida?
Castelos de areia...
Não chega lá o mar
Mas a alma está cheia
De não descansar.
Que nas tuas preces
Eu seja lembrado,
Cismo... Estremeces...
Sim. Tudo é sonhado.
FERNANDO PESSOA, 17 DE NOVEMBRO DE 1914
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
FAZ HOJE 87 ANOS
Senhor, meu passo está no Limiar
Da Tua Porta.
Faze-me humilde ante o que vou legar...
Meu mero ser que importa?
Sombra de Ti aos meus pés tens, desenho
De Ti em mim,
Faze com que eu seja o claro e humilde engenho
Que revela o teu Fim.
Depois, ou morte ou sombra o que aconteça
Que fique, aqui,
Esta obra que é tua e em mim começa
E acaba em Ti.
Sinto que leva ao mar Teu Rio fundo
- Verdade e Lei -
O resto sou só eu e o ermo mundo...
E o que revelarei.
A névoa sob do alto da montanha
E ergue-se à luz.
O claro cimo que a Tua luz banha
Sereno e claro e a flux
Eu quero ver a névoa que se ergue
Para Te ver
A humanidade sofredora é cega -
O resto é apenas ser...
FERNANDO PESSOA, 15/16 DE NOVEMBRO DE 1915
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
FAZ HOJE 104 ANOS
A luz que vem das estrelas,
Diz - pertence-lhes a elas?
O aroma que vem da flor,
É seu? Dize, meu amor.
Problemas vastos, meu bem,
Cada cousa em si contém.
Pensando claro se vê
Que é pouco o que a mente lê
Em cada cousa da vida,
Pois cada cousa, enfim,
É o ponto de partida
Da estrada que não tem fim.
Perante esse sonho eterno
Falar em Deus, céu, inferno...
Ah! dá nojo ver o mundo
Pensar tão pouco profundo.
FERNANDO PESSOA, 15 DE NOVEMBRO DE 1908
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
FAZ HOJE 81 ANOS
Clareia cinzenta a noite de chuva,
Que o dia chegou.
E o dia parece um traje de viúva
Que já desbotou.
Ainda sem luz, salvo o claro do escuro,
O céu chove aqui,
E ainda é um silêncio, ainda é um muro
Ausente de si.
Não sei que tarefa terei este dia;
Que é inútil já sei...
E fito, de longe, minha alma, já fria
Do que não farei.
FERNANDO PESSOA, 14 DE NOVEMBRO DE 1931
terça-feira, 13 de novembro de 2012
FAZ HOJE 98 ANOS
Ainda há do teu sangue em minhas veias
E que pouco eu sou teu, longínquo avô!
Da tua alma leal que longe estou
E da inércia e da dúvida em que teias!
Tu tinhas, suponho eu, poucas ideias
Mas seu fim natural tua alma achou,
E eu, que me sondo, nunca sei quem sou
E tenho as horas de incerteza cheias.
Quanto mas nos vale - a inconsciência forte
Ou esta débil consciência fria
Que nos perguntou qual o nosso norte -
Penélope interior que à vista fia
O aparente lençol da sua sorte
E à noite anula o que fiou de dia.
FERNANDO PESSOA, 13 DE NOVEMBRO DE 1914
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
FAZ HOJE 98 ANOS
De crisântemos, só crisântemos
A paisagem é só (d') isto...
Os instintos (claros) que em nós vemos,
Não são verdade, insisto...
A que distância estamos de nós!
Sei lá que eu sou!
Cose, costureira... No teu retrós
Há uma espécie de voo.
Não há nexo hoje em meu pensamento
Ando a bater
A todas as portas do sentimento
Sem esperar (que abram) ou ver.
E há neste (...) uma vaga dor
E um incerto gozo
Vivo as sensações como num amor
Sensual ao ocioso
E como uma vela ao fundo do mar
Vejo a vida ir...
Da praia de mim vejo-a passar...
Tornará a vir?
FERNANDO PESSOA, 12 DE NOVEMBRO DE 1914
domingo, 11 de novembro de 2012
FAZ HOJE 82 ANOS
Há certa gente que amamos
Porque não é o que é,
Porque nela recordamos
Qualquer coisa, vida ou fé,
Que nos ficou de um passado
Entre esquecê-lo lembrado.
Teus olhos azuis e baços,
Teu frágil corpo inteiro,
Não pedem talvez meus braços,
Mas pedem-me o amor inteiro,
Sinto que ter-te seria
Regressar a outro dia.
Manobras de Sensação?
Que sei de ti ou de mim?
Mas dói-me no coração
Qualquer coisa, a ti afim,
Que conheci e perdi
Que vivi porque vivi.
FERNANDO PESSOA, 11 DE NOVEMBRO DE 1930
sábado, 10 de novembro de 2012
FAZ HOJE 77 ANOS
Eu morava à beira-rio
E tinha que atravessar
Mas o barqueiro sadio
Estava sempre com fastio
De ele mesmo me levar;
Por isso a filha é que vinha
Remar-me para o outro lado.
Era forte, linda e tinha
Remando um ar de rainha.
Que bem que eu ia levado!
Falávamos a sorrir
De quanto vinha a calhar
E, quando era para rir,
Ríamos de nos ouvir
E eu comia o seu olhar.
Vejo ainda, vejo ainda,
Como esse corpo tão certo
Se inclinava - mas que linda! -
E aquele olhar nunca finda
No meu coração deserto...
Meu amor, sinto-te quente
No alvoroço de te abraçar.
Adoro-te realmente.
Mas há um rio de repente
E tu não sabes remar.
Perdoa, amor: não abarco
Mais que uma vaga maneira
De ser teu, sinto-me parco.
Meu coração vai num barco,
Que o vai levando a barqueira.
FERNANDO PESSOA 10 DE NOVEMBRO DE 1935
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
FAZ HOJE 80 ANOS
Não meu, não meu é quanto escrevo.
A quem o devo?
De quem sou o arauto nado?
Por que, enganado,
Julguei ser meu o que era meu?
Que outro mo deu?
Mas, seja como for, se a sorte
For eu ser morte
De uma outra vida que em mim vive,
Eu, o que estive
Em ilusão toda esta vida
Aparecida,
Sou grato Ao que do pó que sou
Me levantou.
Ao de quem sou, erguido pó,
Símbolo só.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
FAZ HOJE 90 ANOS
NADA
Ah, toca suavemente
Como quem vai chorar
Qualquer canção tecida
De artifício e de luar...
Nada que faça lembrar
A vida.
Prelúdio de cortesias,
Ou sorriso que fanou...
Jardim longínquo e frio...
E na alma de quem o achou
Só o eco absurdo do voo
Vazio.
FERNANDO PESSOA, 8 DE NOVEMBRO DE 1922 ("about 3 a.m.")
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
FAZ HOJE 79 ANOS
PSIQUETIPIA
Símbolos. Tudo símbolos...
Se calhar, tudo é símbolos...
Serás tu um símbolo também?
Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa,
Pessoas independentes de ti...
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é...
E por que não há-de ser?
Símbolos...
Estou cansado de pensar...
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando...
Meu Deus! e não sabes...
Eu pensava em símbolos...
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa...
"It was very strange, wasn't it?"
"Awfully strange. And how did it end?"
"Well, it didn't end. It never does, you know?"
Sim, you know... Eu sei...
Sim, eu sei...
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural... Mas os símbolos?
Não tiro os olhos das tuas mãos... Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos...Os símbolos...
ÁLVARO DE CAMPOS, 7 DE NOVEMBRO DE 1933
terça-feira, 6 de novembro de 2012
FAZ HOJE 100 ANOS
PARAÍSO
Se houver além
da Vida um Paraíso
Outro modo de
ser e de viver,
Onde p’ra ser
feliz seja preciso
Apenas ser;
Onde um Nova
Terra áurea receba
Lágrimas, já
diversas, de alegria,
E em Outro Sol
nosso olhar outro beba
Um Novo e Eterno
Dia;
Onde a Áspide e
o Pomba de nossa alma
Se casem, e com
a Alma Exterior
Numa unidade
dupla – sua e calma –
Nossa alma viva,
e à flor
De nós nosso
íntimo sentir decorra
Em outra Cousa
que não Duração,
E nada canse
porque viva ou morra –
Acalmaremos
então?
Não; uma outra
ânsia, a de infelicidade,
Tocar-nos-á como
uma brisa que erra
E subirá em nós
a saudade
Da imperfeição
da Terra.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
FAZ HOJE 103 ANOS
Demora a olhar, demora
Mais um momento em mim...
Minh'alma há muito chora
Porque um olhar assim
A fita sem ter fim
Demora o olhar, e esquece
Que demoras o olhar...
Que melhor vida ou prece
Que, mesmo sem contar
Às almas que há amar,
E à que a vida arrefece
Fica, olhar no olhar...
FERNANDO PESSOA, 5 DE NOVEMBRO DE 1909
domingo, 4 de novembro de 2012
FAZ HOJE 98 ANOS
Saber? Que sei eu?
Pensar é descrer.
- Leve e azul é o céu -
Tudo é tão difícil
De compreender!...
A ciência, uma fada
Num conto de louco...
- A luz é lavada -
Como o que nós vemos
É nítido e pouco!
Que sei eu que abrande
Meu anseio fundo?
Ó céu real e grande,
Não saber o modo
De pensar o mundo!
FERNANDO PESSOA, 4 DE NOVEMBRO DE 1914
sábado, 3 de novembro de 2012
FAZ HOJE 89 ANOS
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
RICARDO REIS, 3 DE NOVEMBRO DE 1923
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
FAZ HOJE 79 ANOS
Bom tempo esse em que a velha feia
Que ia a coxear estrada fora
À entrada súbita da aldeia
Podia, ante uma acção de bem,
Como essas que toda alma tem,
Mostrar ser Nossa Senhora.
Bom tempo, pois significava
Que sempre vinha um outro bem
Quando aqui o bem se praticava
E que toda alma poderia
Fazendo o bem ter por magia
Essas visões que os santos têm.
Meu coração não tem remédio,
A fé que teve, a alma a ignora
Presa de solidão e tédio,
Mas talvez se eu me enternecer
Possa na estrada de mim ver
Inda... talvez... Nossa Senhora.
FERNANDO PESSOA, 2 DE NOVEMBRO DE 1933
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
FAZ HOJE 78 ANOS
Tantos poemas contemporâneos!
Tantos poetas absolutamente de hoje -
Interessante tudo, interessantes todos...
Ah, mas é tudo quase...
É tudo vestíbulo
É tudo só para escrever...
Nem arte,
Nem ciência
Nem verdadeira nostalgia...
Este olhou bem o relevo desse cipreste...
Esse viu bem o poente por trás do cipreste...
Este reparou bem na emoção que tudo isso daria...
Mas depois?...
Ah, meus poetas, meus poemas - e depois?
O pior é sempre o depois...
É que para dizer é preciso pensar -
Pensar com o segundo pensamento -
E vocês, meus velhos, poetas e poemas,
Pensam só com a rapidez primária da asneira - é, e da pena -
Mais vale o clássico seguro,
Mais vale o romântico cantante,
Mais vale qualquer coisa, ainda que má,
Que os arredores inconstruídos duma qualquer coisa boa...
"Tenho a minha alma!"
Não, não tens; tens a sensação dela.
Cuidado com a sensação!
Muitas vezes é dos outros,
E muitas vezes é nossa
Só pelo acidente estonteado de a sentirmos.
ÁLVARO DE CAMPOS, 1 DE NOVEMBRO DE 1934
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