Que triste, à noite, no
passar do vento,
O transvasar da imensa
solidão
Para dentro do nosso
coração,
Por sobre todo o nosso
pensamento.
No sossego sem paz se
ergue o lamento
Como de universal
desolação,
E o mistério, e o abismo
e a morte são
Sentinelas do nosso
isolamento.
"Stamos sós com a
treva e a voz do nada.
Tudo quanto perdemos
mais perdemos.
De nós aos que se foram
não há "strada.
O vácuo incarna em nós,
na vida; e os céus
São uma dúvida certa que
vivemos.
Tudo é abismo e noite.
Morreu Deus.
II
"Stou só. A atra
distância, que infinita
A alma separa de outra,
se alargou.
Em mim, porém, meu ser
se unificou.
Sou um universo morto
que medita.
Se estendo a mão na
solidão aflita,
Nada há entre ela e
aquilo que tocou.
Satélite de um astro que
findou,
Rodeio o abismo,
"strela erma e maldita.
Não há porta no cárcere
sem fim
Em que me vivo preso.
Nunca houve
Porta neste meu ser que
finda em mim.
Vivo até no passado a
solidão.
Na erma noite agora o
vento chove
E um novo nada enche-me
o coração...
III
Evoco em vão lembranças
comovidas -
Quadros, afectos, rostos
e ilusões
São pó - pó frio, cinza
sem visões,
E são vidas ou cousas já
vividas.
Quê? Até do passado
sinto vivas
As cousas que fui eu.
Que solidões
Me sinto!
E, sem orgulho de ser
todo o Inferno
E vivo em mim a angústia
insuperável
Do ermo que se sente
vácuo e eterno.
FERNANDO PESSOA, 22 DE
JULHO DE 1925