sexta-feira, 30 de setembro de 2016

FAZ HOJE 86 ANOS


Como um vento na floresta,
Minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta.
Não sei quem sou para mim.

E como entre os arvoredos
Há grandes sons de folhagem,
Também agito segredos
No fundo da minha imagem.

E o grande ruído do vento
Que as folhas cobrem de som
Despe-me do pensamento:
Sou ninguém, temo ser bom.

FERNANDO PESSOA, 30 DE SETEMBRO DE 1930


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

FAZ HOJE 83 ANOS



A lua por trás da torre
Faz a torre diferente.
A verdade, quando morre
Morre só porque não mente.

Mente a lua que se esconde
Por trás da torre de aqui,
Mente a torre porque é onde
A lua não está ali.

A lua é só um reflexo
A torre é um vulto somente,
E assim, num íntimo nexo,
Qualquer diz verdade e mente.

E é desta mista incerteza
De verdade e de mentira
Que nasce toda a beleza -
Que desta hora se tira.

Saibamos, dando guarida
Ao que tudo é de metade,
Fazer bela a nossa vida
Mentindo com a verdade.


FERNANDO PESSOA, 29 DE SETEMBRO DE 1933


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

FAZ HOJE 84 ANOS




Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas 'státuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

RICARDO REIS, 28 DE SETEMBRO DE 1932


terça-feira, 27 de setembro de 2016

FAZ HOJE 85 ANOS




Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos
Deixa-me crer
O que nunca poderei ser.

RICARDO REIS, 27 DE SETEMBRO DE 1931


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

FAZ HOJE 98 ANOS



D. FILIPA DE LENCASTRE

Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

FERNANDO PESSOA, 26 DE SETEMBRO DE 1928
(Da Mensagem)


domingo, 25 de setembro de 2016

FAZ HOJE 105 ANOS




CRISTO

O deus Ódin é louro como o sol
Mas o seu corpo é branco como o luar
Muito antes que o sussurro do arrebol
Comece no horizonte a esverdear

O deus Apoio é belo como a face
Da natureza quando é primavera
A sua (...) é rapace
Do que em nós (...)

Mas esse da cruz? esse que na frágua
Do sofrimento é frio no estertor?
Porque é que quando o fita perde a cor
A nossa alma? Qual o seu valor?
É a beleza interior da mágoa
E a verdade vital da eterna dor.



FERNANDO PESSOA, 25 DE SETEMBRO DE 1911


sábado, 24 de setembro de 2016

FAZ HOJE 88 ANOS




D. TAREJA

As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios.
Vela por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

FERNANDO PESSOA, 24 DE SETEMBRO DE 1928
(Da “Mensagem”)



sexta-feira, 23 de setembro de 2016

FAZ HOJE 82 ANOS




Não sei qual o caminho - se o que passa
Por onde entre o arvoredo o atalho vai,
Se o que é a estrada extensa, que se traça
Como num vinco na terra, de onde sai.

Não sei, não sei. Porque ou atalho ou estrada
São terra, e o que importa é como andar;
Nem pesa muito a estrada ir dar a nada,
Nem o atalho a nada ir dar.

Vale só o quem anda, que é quem vive.
Assim, adulto do que quis fazer,
Vou caminhando para o que já tive
Sabendo bem o que não poderei ter.


FERNANDO PESSOA, 23 DE SETEMBRO DE 1934


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

FAZ HOJE 85 ANOS



Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.
Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado,
E o que falta não quero.


RICARDO REIS, 22 DE SETEMBRO DE 1931


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

FAZ HOJE 83 ANOS




Começa o outono. Começou o outono.
Não faz frio e o calor que há não existe.
Indefinidamente tenho sono.
Sem motivo, estou triste.

Mas se um momento, entre o que as nuvens dão
De triste ao espaço, o sol aparecer,
Também clareia no meu coração
E começo a esquecer.

Não a esquecer só o que já havia
Mas também o que estava por chegar,
Na luminosidade fugidia,
Do coração e do ar.


FERNANDO PESSOA, 21 DE SETEMBRO DE 1933



terça-feira, 20 de setembro de 2016

FAZ HOJE 82 ANOS




Bem sei que há ilhas lá ao sul de tudo
Onde há paisagens que não pode haver.
Tão belas que são como que o veludo
Do tecido que o mundo pode ser.

Bem sei. Vegetações olhando o mar,
Coral, encostas, tudo o que é a vida
Tornado amor e luz, o que o sonhar
Dá à imaginação anoitecida.

Bem sei. Vejo isso tudo. O mesmo vento
Que ali agita os ramos em torpor
Passa de leve por meu pensamento
E o pensamento julga que é amor.

Sei, sim, é belo, é luz, é impossível,
Existe, dorme, tem a cor e o fim,
E, ainda que não haja, é tão visível
Que é uma parte natural de mim.

Sei tudo, sim, sei tudo. E sei também
Que não é lá que há isso que lá está
Sei qual é a luz que essa paisagem tem
E qual o mar por que se vai para lá.

FERNANDO PESSOA, 20 DE SETEMBRO DE 1934


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

FAZ HOJE 104 ANOS




VISÃO

Minha alma fica em si. O exterior
É o que ela de comum com outros tem;
O ponto em que se tocam e convém
As almas e os seus sonhos.

Tudo é ver. As ideias, o abstracto
Que há em mim é também visível,
Só que vê-lo parece não ser ver
Pensar é ver.

Quando não vejo, e vejo Deus...
Vejo a sombra de Deus... Além de mim
Estou então... O individual é à minha
Imagem

Mas tudo, em sua essência, é ideia... A cor
É ideia,
De modo que em tudo vejo Deus
Mundo translúcido de Deus.


FERNANDO PESSOA, 19 DE SETEMBRO DE 1912


domingo, 18 de setembro de 2016

FAZ HOJE 96 ANOS




Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa
Substitui o calor.
P'ra ser feliz tanta coisa é precisa.
Este luzir é melhor.

O que é a vida? O espaço é alguém para mim.
Sonhando sou eu só.
A luzir, em quem não tem fim
E, sem querer, tem dó.

Extensa, leve, inútil passageira,
Ao roçar por mim traz
Uma ilusão de sonho, em cuja esteira
A minha vida jaz.

Barco indelével pelo espaço da alma,
Luz da candeia além
Da eterna ausência da ansiada calma,
Final do inútil bem.

Que se quer, e, se veio, se desconhece
Que, se for, seria
O tédio de o haver... E a chuva cresce
Na noite agora fria

FERNANDO PESSOA, 18 DE SETEMBRO DE 1920