segunda-feira, 31 de março de 2014

FAZ HOJE 80 ANOS



Sim, por fim uma certa calma.
Certa ciência antiga, sentida
Na substância da vida,
De que não há acabar da alma,
Qualquer que seja a estrada que é seguida.

Fácil visão?
Crença de muitos? Não.
Que o que sinto tem diferença.
É uma vida, não uma crença.
Não é meu: é do coração.

Sol que atingiste o ocidente,
Sei que outro te tornareí a ver -
Um outro e o mesmo no oriente:
Tudo é ilusão, mas nada mente,
O Nada que é Tudo é o Ser.


FERNANDO PESSOA, 31 DE MARÇO DE 1934


domingo, 30 de março de 2014

FAZ HOJE 83 ANOS



Fito-me frente a frente
E conheço quem sou.
Estou louco, é evidente,
Mas que louco é que estou?

É por ser mais poeta
Que gente que sou louco?
Ou é por ter completa
A noção de ser pouco?

Não sei, mas sinto morto
O ser vivo que tenho.
Nasci como um aborto,
Salvo a hora e o tamanho.



FERNANDO PESSOA, 30 DE MARÇO DE 1931

sábado, 29 de março de 2014

FAZ HOJE 83 ANOS



Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma,

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.


FERNANDO PESSOA, 29 DE MARÇO DE 1931


sexta-feira, 28 de março de 2014

FAZ HOJE 84 ANOS



D. JOÃO
INFANTE DE PORTUGAL

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita -
O todo, ou o seu nada.

FERNANDO PESSOA, 28 DE MARÇO DE 1930


quinta-feira, 27 de março de 2014

FAZ HOJE 85 ANOS




Silêncio. Deixa-me pensar.
Há um sonho em mim que me prendeu,
Um que começa a começar
Aquém da terra e além do céu.
Deixa-me ser nem teu nem meu.
Deixa-me só não sossegar.

A maravilha da distância
É feita de mar largo e azul.
Há sobre o perto a irreal fragrância
De um campo aberto sobre o sul.
Meu coração actual é êxul,
Meu ser cativo é livre de ânsia.

Não sei quem foi que ali me disse
Palavras que não sei contar.
Foram de anónima ledice.
Silêncio. Deixa-me pensar.
Não tenho amor para te dar.
Minha alma jovem tem velhice.


FERNANDO PESSOA, 27 DE MARÇO DE 1929