quinta-feira, 30 de abril de 2015

FAZ HOJE 89 ANOS



Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que consequências aflitas!
Mágoa última dos despedidos ,
Ficção de pensar...

Faróis distantes...
Incerteza da vida...
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido...

Faróis distantes...
A vida de nada serve...
Pensar na vida de nada serve...
Pensar de pensar na vida de nada serve...

Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande,
Faróis distantes...

ÁLVARO DE CAMPOS, 30 DE ABRIL DE 1926


quarta-feira, 29 de abril de 2015

FAZ HOJE 87 ANOS



Às vezes medito,
Às vezes medito e medito mais fundo, e ainda mais fundo
E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à superfície,
E todo o universo é um mar de caras de olhos abertos para mim.
Cada coisa, - o candeeiro da esquina, uma pedra, uma árvore -
É um olhar que me fita de um abismo incompreensível,
E desfilam no meu coração os deuses todos, e as ideias dos deuses.
Ah, haver coisas!
Ah, haver seres!
Ah, haver maneira de haver seres
De haver haver
De haver como haver haver,
De haver...
Ah, existir o fenómeno abstracto de existir,
Haver consciência e realidade,
O que quer que isto seja...
Como posso eu exprimir o horror que tudo isto me causa?
Como posso eu dizer como é isto para se sentir?
Qual é alma de haver ser?

Ah, o pavoroso mistério de existir a mais pequena coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver qualquer coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver...

ÁLVARO DE CAMPOS, 29 DE ABRIL DE 1928


terça-feira, 28 de abril de 2015

FAZ HOJE 80 ANOS




Elle est si belle,
La petite rebelle,
Ce joyau de jeunesse;
Elle est si belle
Que mon coeur s'en blesse.
Oh, quelle tristesse,
Quel amour sans cris
Car celle
Qui est si belle
Est toujours la femme d'autrui.

Oh qu'importe
Qu'elle le soit déjà
Ou que mon destin ne comporte
Que ne l'avoir obtenu pas?
Ne pas l'avoir ou la perdre
C'est le même amour sans cris
Dans ce coeur meurtri.
Oh, elle,
Celle
Qui est si belle,
Est toujours la femme d'autrui.

FERNANDO PESSOA, 28 DE ABRIL DE 1935


segunda-feira, 27 de abril de 2015

POEMA SEM DATA



Para ser grande, sê inteiro: nada
      Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
      No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
      Brilha, porque alta vive.

RICARDO REIS, SEM DATA

domingo, 26 de abril de 2015

FAZ HOJE 89 ANOS





Em torno a mim, em maré cheia,
Soam como ondas a brilhar,
O dia, o tempo, a obra alheia,
O mundo inteiro a 'star.

Mas eu, fechado no meu sonho,
Parado emigro, e, sem querer,
Inutilmente recomponho
Visões do que não há-de ser.

Cadáver da vontade feita,
Mito real, sonho a sentir,
Sequência interrompida, eleita
Para os destinos de partir,

Mas presa à inércia angustiada
De não saber a direcção,
E ficar morta na erma estrada
Que vai da mente ao coração.

Hora própria, nunca venhas,
Que ontem talvez foi pior...
E tu, sol claro que me banhas,
Ah, banha sempre o meu torpor!


FERNANDO PESSOA, 26 DE ABRIL DE 1926