quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Ortónimo I






Dois poemas de Fernando Pessoa traduzidos para chinhês



O Ortónimo


A esta minha perspectiva da génese heteronímica do Fernando Pessoa, entendo de acrescentar que tenho um enorme respeito pela famosa carta, como documento importantíssimo que é, no estudo desta questão: é a declaração mais importante e detalhada daquilo a que o Poeta chamou, o seu “drama em gente”. Aos que, mais tarde, como o Gaspar Simões, vieram gritar, histericamente.” Fomos enganados! Ele fingiu!”, aconselharia a retirarem do poema “Autopsicografia” a mensagem correcta:

O Poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
.

Ele sentia-se vários, sentia de modos diferentes, chegava a pensar de modos opostos e contraditórios. Ele sentiu isso deveras, e quis transmiti-lo também ,e ficará sempre para o Casais Monteiro, a glória de ter sido o escolhido para ser o o seu Arauto.


Portanto os Heterónimos só existem, porque existiu o Ortónimo já que dele fazem parte integrante e indissolúvel.Os Heterónimos são diferentes estados de Alma do mesmo Poeta.
.

Toda esta magia tem a sua origem, afinal, no Fernando António Nogueira Pessoa, nascido no dia 13 de Junho de 1888, às 3 horas e 20 minutos, em casa de seus Pais, Joaquim Seabra Pessoa e Maria Madalena Xavier Pinheiro Nogueira, no Largo de S. Carlos nº 4 – 4º Esq., em Lisboa. Aos sete anos escreveu, por seu punho, a primeira poesia, dedicada, como não poderia deixar de ser, a sua Mãe:

À minha querida mamã

Eis-me aqui em Portugal
Nas terras onde nasci.
Por muito que goste delas,
Ainda gosto mais de ti

Fernando Pessoa 26/7/1895

Desta pequena semente, germinou a mais frondosa das árvores, que se multiplicou numa imensa e luxuriante Floresta, a qual veio, por fim, a cobrir, de modo avassalador, o Mundo inteiro!

O facto de ter vivido, até aos seus dezassete anos, em Durban, onde o Padrasto tinha sido colocado como Consul de Portugal, determinou que a sua instrução escolar fosse feita em língua inglesa, tendo, essa aprendizagem sido brilhante, ao ponto de haver recebido o Queen Victoria Memorial Prize, para o melhor ensaio, no exame de candidatura à Universidade.

A poesia inglesa surgiu na sua adolescência e manteve-se viva durante muito anos, primeiro como único caminho poético e depois, já de regresso a Portugal, acompanhada da primeira poesia em português, até que, sem nunca esquecer a língua inglesa, que se tornou, aliás, a sua ferramenta profissional, passou a sentir apenas em português. As primeiras poesias em português que foram recuperadas da famosa arca, datam de 1908, tendo o Fernando Pessoa, portanto, 20 anos. É ainda uma poesia presa à rima e ao sentido clássico, tanto na forma como no conteúdo . Era a fase em que os seus sentimentos procuravam as palavras para se exprimirem e, subconscientemente, as encontrava por tradução…

Vamos encontrar, com data do de 8/4/1911 o primeiro grande poema,, dos que estão traduzidos em mais de trinta idiomas: O Sino da Minha Aldeia :


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

É tão lento o teu soar
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto,
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado.
Sinto a saudade mais perto.

Sem que o Fernando Pessoa disso se apercebesse, começara o milagre da sua multiplicação. O génio que o possuía, ràpidamente ultrapassou os limites da sua capacidade poética de então. Cêdo começou a busca de outros caminhos, na procura das verdades eternas, que êle entrevia através das palavras novas e das ideias novas que o seu pensamento buscava.

As palavras são a materialalização das ideias e das intuições que surgem no nosso pensamento,as quais só se revelam e se tornam realidade, quando encontram as palavras que as enformam em toda a sua extensão. Juntas, como por milagre, formam os juízos e saiem para o mundo para o enriquecer e assim quebrar o silêncio de que, interiormente, todos somos feitos. E assim procuramos encontrar os outros ; as palavras são os gestos da nossa Alma e a chave para abrir o Mundo. E, quando chamadas pela Música, ganham asas, voam, e criam a Poesia.

E, no entanto, com a chave nas mãos, vivemos a angústia de não encontrar a Porta para abrir. São os Poetas, a ponte entre o que somos e sentimos e o que quereríamos ser e quereríamos sentir. São dêles as palavras novas, que não soubemos encontrar, e com as quais “
nos fingimos mais alto e ao pé de qualquer Paraízo”. São eles que nos ajudam a encontrar o caminho.

A poesia do Fernando Pessoa, transformou-se nessa busca da Luz, ciente de que só se encontra a Luz a partir da escuridão. E avançou sempre, sentindo que a simplicidade na aceitação da natureza das coisas poderia ser o caminho. Mas a Natureza e as coisas da Natureza, não conseguem dialogar connosco: são apenas o eco dos nossos sentimentos. E êle procurou ir mais além, aceitando o que lhe parecia necessário aceitar, procurando a Beleza como justificação para essa aceitação que, no fundo, era uma aceitação redutora, pois não havia espaço para sentir. Foi quando procurou sentir tudo e de todas as maneiras, voluntàriamente esquecendo as consequência que tal ousadia poderia acarretar . Mas foi indo sempre, por esse caminho novo, à procura da Porta para a abrir com a Chave, que nas suas mãos encontrara. E levou-nos com êle.

E assim viveu uma aventura poética sem igual,que legou ao Mundo, e que nos legou a cada um de nós. As últimas palavras que ecreveu, num papel que pediu á Enfermeira, no dia anterior a morrer, têm o sentido profundo de toda a sua vida: “
I know not what tomorrow, will bring”. Num estranho inglês, deixou-nos este pensamento: "Não sei o que o amanhã trará". Não tinha encontrado em vida, a Porta que tão denodadamente procurara . Talvez no dia seguinte, 30 de Novembro de 1935, tudo se viesse a resolver.

Entre a quadra que dedicou à sua Mãe, em 26 de Jullho de 1895 e a angustiosa dúvida sobre o que o amanhã lhe traria, passaram-se apenas 40 anos, dos 47 que somou a vida do Poeta. E depois, se a imagem me é permitida, nasceu e cresceu a sua Imortalidade. Com uma rapidez surpreendente, a sua poesia foi sendo traduzida para mais de tres dezenas de línguas diferentes, sendo estudada nas mais reputadas universidade de todo o Mundo, tornando assim,Fernando Pessoa, e pela voz dos críticos estrangeiros, o maior poeta do século XX e um dos maiores poetas de todos os tempos. A poesia do Fernando Pessoa é tratada, em Portugal, ou como tese de caracter universitário ou como matéria para exames escolares, atribuindo-se-lhe uma complexidade que ela, definitivamente ,não tem.É o que tentarei demonstrar a seguir