FAZ HOJE 89 ANOS
Talvez não seja mais do que o meu
sonho...
Esse sorriso será para outro, ou a
propósito de outro,
Loura débil...
Esse olhar para mim casual como um
calendário...
Esse agradecer-me quando a não
deixei cair do eléctrico..
Um agradecimento...
Perfeitamente...
Gosto de lhe ouvir em sonho o
seguimento que não houve
De conversas que não chegou a haver.
Há gente que nunca é adulta na
prática!
Creio mesmo que pouca gente chega a
ser adulta - prática -
E a que chega a ser adulta e prática
morre sem dar por nada.
Loura débil, figura inglesa
absolutamente portuguesa,
Cada vez que te encontro lembro-me
dos versos que esqueci...
É claro que não me importo nada
contigo
Nem me lembro de te ter esquecido
senão quando te vejo,
Mas o encontrar-te dá som ao dia e
ao desleixo
Uma poesia de superfície.
Uma coisa a mais no a menos da
improficuidade da vida...
Loura débil, feliz porque não és
inteiramente real,
Porque nada que vale a pena ser
lembrado é inteiramente real,
E nada que vale a pena ser real vale
a pena.
ÁLVARO DE CAMPOS, 25 DE JANEIRO DE
1929
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