Floresce na (...) sombra do meu
peito,
Vermelha flor de Deus, meu
coração...
Suas pe'talas de eu sentir tem jeito
De ter a cor da minha sensação...
Arranquem-mo: é vermelho, e o seu
efeito
De existir é esta vida, a confusão
De bem e mal que no meu ser eleito
De brumas faz (...) e invasão.
E essa vermelha flor de Deus, meu
coração,
Que na sombra floresce e no mistério
Entrega, vibração a vibração,
Seu (...) ao (...) sidério
Que a espreita do silêncio da
amplidão.
Lírios... Meu nome é sombra nos teus
olhos...
Não pertenço senão a não ser teu...
A barca do meu ser tem seus escolhos
No teu silêncio leve como um véu...
A cor do teu olhar está longe, muito
longe...
Como o teu gesto poeira parada no ar
Dentro de mim... E a Hora nunca é de
Hoje
Para quem não consegue imaginar.
Leves teus dedos sobre o alvo
teclado
Que eu sonho sob seu gesto alado e
leve,
Pianíssimo reflectem o sagrado
Anseio que eu encontro ao que esteve
Sempre àquem do meu ócio perfumado.
As minhas sensações vestem de preto
Seu luto e pela dor de eu mal as
ter...
Conservo o tédio, como um (...)
secreto
E afirmo à sombra a luz do meu
viver.
Deus, girassol de assombro e
pensamento
Alto e ouro floresceu no meu
jardim...
Por quantas alamedas passa o vento
Chorando não lhes encontrar um fim?
Ah, abertas as portas! E o lamento
Do meu cansado coração, afim
A tu seres o nexo poeirento
Entre o meu horizonte E (...) mim.
O reflexo vão da sua sombra vai
Pôr cortinas de seda em minha
mente...
Medievais as rosas vitralmente...
Cavaleiros andantes sossegai
Vossa dor barco à (...) da corrente!
Flor murchando, verdadeiramente.
FERNANDO PESSOA, 3 DE JANEIRO DE
1915
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