sábado, 13 de abril de 2013

FAZ HOJE 97 ANOS




Côa-se através da minh'alma 
Como através dum vitral 
Toda a agonia voluptuosa e incerta 
De uma outra espécie de alma, mais jóia, mais pálio, 
Gémea da minha, mas com Deus de permeio... 

Cai sobre as mãos que alongo 
- Olho-as distraidamente e esqueço - 
Sobre o livro indecisamente lido 
Parte da luz coada pelo vitral em febre, 
E a cor que estagna nas minhas mãos dói-me nos olhos 
Por um esquecimento corpo análogo a sombras... 

Entretanto, não há a igreja, nem a solidão fria e ampla, 
Nem o resto do incenso que faz tremer, 
Nem a consciência de haver o altar pesando na alma... 
Não; só o vitral e tudo isto através dele...

De aí a febre que, como uma antecâmara de templo secreto, 
De templo para cultos inversos, 
Me enche de possibilidades coloridas de meus sentidos, 
A vista e o ouvido e o olfacto tendo só a vista... 

Passos... 


FERNANDO PESSOA, 13 DE ABRIL DE 1916

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