Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo
intelectual e inteiro!
Vida da origem da
minha inspiração!
Mestre, que é feito
de ti nesta forma de vida?
Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstracta e
visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa
ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades
de todos os deuses antigos,
Espírito humano da
terra materna,
Flor acima do dilúvio
da inteligência subjectiva...
Mestre, meu mestre!
Na angústia
sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana
das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo
como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti,
que estás longe, tão longe de mim!
Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa
feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol
fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia
mostrando tudo,
Meu mestre, meu
coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não
aprendeu nada.
Meu coração não é
nada,
Meu coração está
perdido.
Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande
hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço
neste mundo subjectivado,
Tudo é esforço neste
mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste
mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa
neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido
como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de
toda a vila.
Depois, tenho sido
como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos
em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido
eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha
desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas porque é
que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias
ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Porque é que me
chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das
cidades do vale, não sabia respirar?
Porque é que me deste
a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está
carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz
divina entre ruínas?
Porque é que me
acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei
sentir, se a minha alma é de sempre a minha?
Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente,
estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos
vir a agradar,
E não surgisse em mim
a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste
eu? Deixasses-me ser humano!
Feliz o homem marçano,
Que tem a sua tarefa
quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida
usual,
Para quem o prazer é
prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e
por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o
destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o
sentido de ser humano é dormir.
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