GLOSA
Quem me roubou a minha dor antiga,
E só a vida me deixou
por dor?
Quem, entre o
incêndio da alma em que o ser periga,
Me deixou só no fogo
e no torpor?
Quem fez a fantasia
minha amiga,
Negando o fruto e
emurchecendo a flor?
Ninguém ou o Fado, e
a fantasia siga
A seu infiel e real
sabor...
Quem me dispôs para o
que não pudesse?
Quem me fadou para o
que não conheço
Na teia do real que
ninguém tece?
Quem me arrancou ao
sonho que me odiava
E me deu só a vida em
que me esqueço,
"Onde a minha
saudade a cor se trava".
FERNANDO PESSOA, 1 DE
ABRIL DE 1931
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