quinta-feira, 7 de abril de 2011

FAZ HOJE 99 ANOS

CREPÚSCULO DE VERÃO




O dia opaco de luz
Ao 'scurecer se traduz
Por uma quietação morna
- Verão quentemente outonal -
Auréola que contorna
O negro do pinheiral
E um laranjal sem calma entorna
Em torno ao meu vago mal...


Nesta hora peso-me, absorto;
Sinto-me a alma de um morto;
Não sei de que serve ter
A insciência de vive
O perfil-nudez dos montes
É colorido de calma
E essa trégua, sem esquecer
Que aureolada de luz os horizontes
É-me exterior à alma.


É neste tépido (...) de que gosta
Parte de mim que me não sinto minha
Que eu sei que a natureza encosta
A testa à mão, e sonha, já vizinha
De se sentir inútil e cansada,
Consciente de mistério sem cruz
Cada traço da estrada entristece-se-me de luz.


Não sei o que, que desconfiança cega
No porvir, desesperança espiritual
Como um adeus ao morto sol me chega
À alma desigual
De ser desejo e mágoa
Do que sente ser bem, e conhece ser mal.


Morno esquecer,
Poque não me esqueço eu no teu mover?
Que confiado dizer
Ainda poderia supor-me a ter?
Salve-o eu agora, quando a luz é um beijo
Quente e a arrefecer
Como o último beijo de prazer.


Escureceu: acinzentou-se de longe
O horizonte parado
Será a alma parda ou o tom de monge...
Meu corpo fatigado
Meu corpo fatigado da alma
Quantos poros terei para a calma calma!


FERNANDO PESSOA, 7 DE ABRIL DE 1912

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