Hoje que nada sou e nada
quero,
Relíquia inútil de quem
fui,
Eu que meu fim, sem
resignar-me, 'spero
E nada sou do que fui eu
em mim,
Aqui, onde este rio
obscuro flui,
Quero, sentindo-me ir,
ser eu enfim...
Desejo, sem esperança,
ver correr
Estas inertes águas
fugidias,
Servo de nada ter e nada
ser,
E sem esperança ver
passar sem forma
O curso inútil dos
inúteis dias
Que são a minha vida e a
minha norma.
Outrora havia outra
esperança minha,
Outra era vida que teria
aqui,
Mas a quem coroaram como
rainha
Caiu, por falsa e vil a
coroa infiel.
E assim a taça de ouro
do que eu vi,
Quando a ergui à boca,
tinha fel.
FERNANDO PESSOA, 1 DE
FEVEREIRO DE 1934
Sem comentários:
Enviar um comentário