domingo, 13 de março de 2011

FAZ HOJE 93 ANOS

Eu sou o disfarçado, a máscara insuspeita.
Entre o trivial e o vil minha alma insatisfeita
Indescoberta passa, e para elas tem
Um outro aspecto, porque, vendo-a, não a vêem.
Porque adopto seu gesto, a fim que não me estranhe
Julgo o vil que sou vil,e, porque não me entranhe
No meandro interior por onde é vil quem é
Julgo-me o inábil na vileza que me vê.
Assim postiço igual dos inferiores meus,
Passo, príncipe oculto, alheio aos próprios véus,
Porque os véus que me impõe a urgência de viver,
São outro modo, e outra (...), e outro ser:
Porque não tenho a veste e a púrpura visível
Como régio meu ser não é aceite ou crível;
Mas como qualquer em meu gesto se trai
Da grandeza nativa que irreprimível sai
Um momento de si e assoma ao meu ser falso,
Isso, porque desmancha a inferioridade a que me alço,
Em vez de grande, surge aos outros inferior.
Daí no que me cerca o desconhecedor
Que me sente diferente e não me pode ver
Superior, julga-me abaixo do seu ser.

Mas eu guardo secreto e indiferente o vulto
Do meu régio futuro, o meu destino oculto
Aos olhos do Presente, o Futuro o escreveu
No Destino Essencial que fez meu ser ser eu.
Por isso indiferente entre os triviais e os vis
Passo guardado em mim. Os olhares subtis
Apenas decompõem em postiças verdades
O que de mim se vê nas exterioridades.
Os que mais me conhecem ignoram-me de todo.

FERNANDO PESSOA, 13 DE MARÇO DE 1918

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