quinta-feira, 17 de março de 2011

FAZ HOJE 80 ANOS

ABERTURA DO ITINERÁRIO



Estes livros de versos juntos são

Uns Grandes Armazéns da Sensação

Onde o leitor casual encontrará

O que convenha a qualquer impressão,

Ou, talvez, o que nunca convirá.



E, assim, terá, com muito de profundo,

E alguma coisa de incompreensível,

Um razoável espectáculo do mundo,

Em várias formas de ilusão e nível,

E sentirá, se não for insensível.



Mas, verdadeiramente, quem lê versos

Lê só a própria alma, e eu não tenho

A certeza de que entre os meus diversos

Modos, consiga não ser estranho

Ao casual leitor que perco ou ganho.



Ninguém vê senão a alma em que ermo habita

Ninguém conhece senão quem nasceu.

Nos Armazéns que ofereço requisita

Quem quiser o que quer, e não medita

Que, apesar de ser tudo, eu sou só eu.



Sim, isolados, e não só no espaço,

Entre alma e alma não há nenhum laço,

E o que dizemos nunca é compreendido.

Reste ao menos em mim um som de passo

De viandante nem visto nem ouvido.


FERNANDO PESSOA, 17 DE MARÇO DE 1931

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