Não dorme
O relógio também.
Pus na alma esvurmo.
É enorme
O que a treva contém.
Podridão da alma, moribundo
Do que me julguei ser,
Ouço o mundo.
É um vento surdo e fundo,
Que do abismo profundo
Vela o meu morrer.
Indiferente assisto
Ao cadaverisar
Do que sou.
Em que alma ou corpo existo?
Vou dormir ou despertar?
Onde estou se não estou?
Nada. É, na treva onde fala
o relógio fatal,
Uma grade, anónima sala,
Uma grande treva onde se cala,
Um grande bem que sabe mal,
Uma vida que se desiguala,
Uma morte que não sabe a que é igual.
FERNANDO PESSOA, 13 DE MARÇO DE 1933
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