Dói-me a alma como um dedo. Nem
Sobra da dor com que chorar.
Tem ora a vida por vil por quem
O vil mais vil pode enganar.
Orgulho? Serve p'ra que o riso
Dos outros possa ter efeito,
Esgar de mim, sou o preciso
P'ra que vaguear me tenha jeito.
Quanto me dói que não doera
Se eu fora como quem sou!
À margem, falsa primavera
Que o inverso póstumo gelou!
No silêncio onde escuto a vida
Só um riso chega ao meu ouvido.
Não queiras, alma adormecida!
Não ames, coração perdido!
FERNANDO PESSOA, 10 DE FEVEREIRO DE 1920
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