Nunca os vi nem lhes
falei
E eles me têm guiado
Segundo a forma e a lei
Do que, inda que
conhecido,
Tem que ficar ignorado.
Nunca li o livro ocluso
Nem vi o túmulo aberto,
Mas, em meu claustro
recluso,
Vendo o céu só pela luz,
Senti a verdade perto.
Não foi o mestre
incorrupto
Nem O que foi exumado
Que me fez colher o
fruto
Que guarda em seus
quatro gomos
O segredo do pecado.
Mãos do meu Anjo da
Guarda,
Que bem guiais, como
dois,
O meu ser que teme e
tarda,
Postas firmes nos meus
ombros
Sem que eu saiba de quem
sois!
Vou pela noite infiel
Sentindo a aurora raiar
Por trás do alguém que
me impele;
Mas já adiante de mim
Vejo o dia a começar.
FERNANDO PESSOA, 9 DE
MAIO DE 1934
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