Penso em ti no silêncio
da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no
silêncio fazem o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim,
passageiro parado
De uma viagem em Deus,
inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que
foste um momento eterno,
É como este silêncio de
tudo.
Todo o perdido, em que
foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que
foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser
este silêncio nocturno.
Tenho visto morrer, ou
ouvido que morreram,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber
mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa
se foi um homem ou uma conversa,
Ou um parvo omitido do
mundo,
E o mundo hoje para mim
é um cemitério de noite
Branco e negro de campas
e árvores e de luar alheio
E é neste sossego
absurdo de mim e de tudo que penso em ti.
ÁLVARO DE CAMPOS, MAIO
DE 1933
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