quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

FAZ HOJE 83 ANOS




Se o rouxinol falasse, não cantava.
Ah, um bocado de inconsciência!
Meu coração onde é que estava
Quando eu falava com a ciência?

Não... E escusado o amor...
Um sentimento...
Qualquer cousa que seja a flor
De não haver (nenhum) intento...

Qualquer cousa de intervalar;
Por imprecisa, suave...
Qualquer cousa como aquele ar
Onde a alma é ave...

Depois, até o regresso à vida
Tem suavidade - aquela
Que, porque foi sentida,
É ainda a saudade dela.

Não pensar bem... Ir começando...
Depois, interromper sorrindo...
Ave que, ainda voando,
Vem caindo...

Memória do futuro inútil,
Preciosa a leque e a riso seu...
E o pano apaga o drama inútil
Que já esqueceu...


FERNANDO PESSOA, 5 DE FEVEREIRO DE 1931


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