O dia 'splende, luminoso
e vasto.
O grande rio é mar; quem
o vê rio?
Com o que vejo quem eu
sou contrasto,
E aqui onde há calor,
'stou onde há frio.
Desde que existo, vivo
dividido
Entre três seres, em que
iguais estou:
O meu ser, o meu ser que
tenho sido
E o verdadeiro ser que
nunca sou.
Quantas traições e
desentendimentos
Entre estes meus três
seres descobri!
E eu assisti a tudo,
como a estradas,
Que, veículos deles,
percorri.
Hoje que, alheio a tudo
e a mim mesmo,
Posso, à luz deste dia
vasto e rico,
Verificar que fui um ser
a esmo,
É ainda a esmo que o
verifico.
Não tenho cura: tudo
quanto fui
É quanto eu hei-de ser,
sem outra pele.
Sem saber de fluir, o
rio fluí.
Sei que fluo, mas fluo
como êle.
FERNANDO PESSOA, 7 DE
FEVEREIRO DE 1932
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