segunda-feira, 22 de julho de 2013

FAZ HOJE 88 ANOS



I

Que triste, à noite, no passar do vento, 
O transvasar da imensa solidão 
Para dentro do nosso coração, 
Por sobre todo o nosso pensamento. 

No sossego sem paz se ergue o lamento 
Como de universal desolação,
E o mistério, e o abismo e a morte são 
Sentinelas do nosso isolamento. 

"Stamos sós com a treva e a voz do nada. 
Tudo quanto perdemos mais perdemos. 
De nós aos que se foram não há "strada. 

O vácuo incarna em nós, na vida; e os céus 
São uma dúvida certa que vivemos. 
Tudo é abismo e noite. Morreu Deus. 


II

"Stou só. A atra distância, que infinita 
A alma separa de outra, se alargou. 
Em mim, porém, meu ser se unificou. 
Sou um universo morto que medita. 

Se estendo a mão na solidão aflita, 
Nada há entre ela e aquilo que tocou. 
Satélite de um astro que findou, 
Rodeio o abismo, "strela erma e maldita. 

Não há porta no cárcere sem fim 
Em que me vivo preso. Nunca houve 
Porta neste meu ser que finda em mim. 

Vivo até no passado a solidão. 
Na erma noite agora o vento chove 
E um novo nada enche-me o coração... 

III

Evoco em vão lembranças comovidas - 
Quadros, afectos, rostos e ilusões 
São pó - pó frio, cinza sem visões, 
E são vidas ou cousas já vividas. 

Quê? Até do passado sinto vivas 
As cousas que fui eu. Que solidões 
Me sinto! 

E, sem orgulho de ser todo o Inferno 
E vivo em mim a angústia insuperável 
Do ermo que se sente vácuo e eterno. 



FERNANDO PESSOA, 22 DE JULHO DE 1925

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