sábado, 30 de março de 2013

FAZ HOJE 82 ANOS





Não tenho quinta nenhuma. 
Se a quero ter p’ra sonhar,  
Tenho que a extrair da bruma 
Do meu mole meditar.  

E então, desfazendo a névoa 
Que há sempre dentro de nós, 
Progressivamente elevo-a 
Até uma quinta a sós. 

Vejo os tanques, vejo as calhas 
Por onde a água vai pequena, 
Vejo os caminhos com falhas, 
Vejo a eira erma e serena. 

E, contente deste nada 
Que em mim mesmo faço externo, 
Gozo a frescura relvada 
Da não-quinta em que me interno. 

Vilegiatura impossível, 
Dou-lhe nós para lembrar, 
E esqueço-a ao primeiro nível 
Do meu mole meditar. 


FERNANDO PESSOA,30 DE MARÇO DE 1931

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