segunda-feira, 18 de março de 2013

FAZ HOJE 100 ANOS




Mãos de tecedeira 
Mãos apenas... fiando 
Horrorosamente 
Numa sem-canseira 
Da noite espreitando 
Mãos e pulsos. Doente 
De pavor silente 
Não posso não as estar fitando... 

Tecem num tear 
Que apavora dele... 
Tecei, mãos sem vida 
Mãos feitas de um luar 
Que é, é, vossa pele, 
Dum tear que é guarida 
De quanto convida 
A alma e a repele. 

Tecei-me com fios 
De sonho e mistério 
Novos universos 
Dentro em mim, vazios, 
Muito lírio aéreo, 
Murmúrios dispersos 
Secos sons, imersos 
Num não-ser sidério. 

Gota a gota as horas 
Caem-me no peito... 
Tecei, mãos alheias 
A vós próprias, noras 
Da água do imperfeito... 
Tecei morte... cheias 
De Ontem, mãos sem veias 
Nem cor, mãos-defeito... 
  

FERNANDO PESSOA, 18 DE MARÇO DE 1913

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