O
CONDE D. HENRIQUE
Todo
o começo é involuntário.
Deus
é o agente.
O
herói a si assiste, vário
E
inconsciente.
Á
espada em tuas mãos achada
Teu
olhar desce.
Que
farei com esta espada?
Ergueste-a,
e fez-se.
D.
AFONSO HENRIQUES
Pai,
foste cavaleiro.
Hoje
a vigília é nossa.
Dá-nos
o exemplo inteiro
E
a tua inteira força!
Dá,
contra a hora em que, errada,
Novos
infiéis vençam,
A
bênção como espada,
A
espada como bênção!
D.
JOÃO O PRIMEIRO
O
homem e a hora são um só
Quando
Deus faz e a história é feita.
O
mais é carne, cujo pó
A
terra espreita.
Mestre,
sem o saber, do Templo
Que
Portugal foi feito ser,
Que
houveste glória e deste o exemplo
De
o defender.
Teu
nome, eleito em sua fama,
É,
na ara da nossa alma interna,
A
que repele, eterna chama,
A
sombra eterna.
D.
FILIPA DE LENCASTRE
Que
enigma havia em teu seio
Que
só génios concebia?
Que
arcanjo teus sonhos veio
Velar,
maternos, um dia?
Volve
a nós teu rosto sério,
Princesa
do Santo Gral,
Humano
ventre do Império,
Madrinha
de Portugal!
D.
DUARTE, REI DE PORTUGAL
Meu
dever fez-me, como Deus ao Mundo.
A
regra de ser Rei almou meu ser,
Em
dia e letra escrupuloso e fundo.
Firme
em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri
contra o destino o meu dever.
Inutilmente?
Não, porque o cumpri.
D.
SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
Louco,
sim, louco, porque quis grandeza
Qual
a sorte a não dá.
Não
coube em mim minha certeza;
Por
isso onde o areal está
Ficou
meu ser que houve, não o que há.
Minha
loucura, outros que me a tomem
Com
o que nela ia.
Sem
loucura que é o homem
Mais
que besta sadia,
Cadáver
adiado que procria?
NUNÁLVARES
PEREIRA
Que
auréola te cerca?
É
a espada que, volteando,
Faz
que o ar alto perca
Seu
azul negro e brando.
Mas
que espada é que, erguida,
Faz
esse halo no céu?
É
Excalibur, a ungida,
Que
o Rei Artur te deu.
‘sperança
consumada,
S.
Portugal em ser,
Ergue
a luz da tua espada
Para
a estrada se ver!
O
INFANTE
Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus
quis que a terra fosse toda uma,
Que
o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te,
e foste desvendando a espuma,
E
a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou,
correndo até ao fim do mundo,
E
viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir,
redonda, do azul profundo.
Quem
te sagrou criou-te português.
Do
mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se
o Mar, e o Império se desfez.
Senhor,
falta cumprir-se Portugal!
O
MOSTRENGO
O
mostrengo que está no fim do mar
Na
noite de breu ergueu-se a voar;
À
roda da nau voou três vezes,
Voou
rês vezes a chiar,
E
disse, “Quem que ousou entrar
Nas
minhas cavernas que não desvendo,
Meus
tectos negros do fim do mundo?”
E
o homem do leme disse, tremendo:
“El
Rei D. João Segundo!”
“De
quem são a velas onde me roço?
De
quem a quilhas que vejo e ouço?”
Disso
o mostrengo, e rodou três vezes,
Três
vezes rodou imundo e grosso,
“Quem
vem poder o que só eu posso,
Que
moro onde nunca ninguém me visse
E
escorro os medos do mar sem fundo?”
E
o homem do leme tremeu e disse,
“El
Rei D. João Segundo!”
Três
vezes do leme as mãos ergueu,
Três
vezes ao leme as reprendeu,
E
disse no fim de tremer três vezes,
“Aqui
ao leme sou mais do que eu:
Sou
um Povo que quer o mar que é teu;
E
mais que o mostrengo, que minha alma teme
E
roda nas trevas do fim do mundo,
Manda
a vontade que me ata ao leme
De
El Rei D. João Segundo!”
MAR
PORTUGUÊS
Ó
mar salgado, quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal!
Por
te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos
filhos em vão rezaram!
Quantas
noivas ficaram por casar
Para
que fosses nosso, ó mar!
Valeu
a pena? Tudo vale a pena
Se
a alma não é pequena.
Quem
quer passar além do Bojador
Tem
que passar além da dor.
Deus
ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas
nele é que espelhou o céu.
PRECE
Senhor,
a noite veio e a alma é vil.
Tanta
foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos
hoje, no silêncio hostil,
O
mar universal e saudade.
Mas
a chama, que a vida em nós criou,
Se
ainda há vida ainda não é finda.
O
frio morto em cinzas o ocultou:
A
mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá
o sopro, a aragem, - ou a desgraça ou a ânsia –
Com
que a chama do esforço se remoça,
E
outra vez conquistemos a Distância –
Do
mar ou outra, mas que seja nossa!
ANTEMANHÃ
O
mostrengo que está no fim do mar
Veio
das trevas a procurar
A
madrugada do novo dia,
Do
novo dia sem acabar;
E
disse, “Quem é que dorme a lembrar
Que
desvendou o Segundo Mundo
Nem
o Terceiro quer desvendar?”
E
o som na treva de ele a rodar
Faz
mau o sono, triste o sonhar.
Rodou
e foi-se o mostrengo servo
Que
o seu senhor veio aqui buscar.
Que
veio aqui seu senhor chamar –
Chamar
Aquele que está dormindo
E
foi outrora Senhor do Mar.
NEVOEIRO
Nem
rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define
com perfil e ser
Este
fulgor baço da terra
Que
é Portugal a entristecer –
Brilho
sem luz e sem arder,
Como
o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém
sabe que coisa quer.
Ninguém
conhece que alma tem,
Nem
o que é mal e o que é bem.
(Que
ânsia distante perto chora?)
Tudo
é incerto e derradeiro.
Tudo
é disperso, nada é inteiro.
Ó
Portugal, hoje és nevoeiro…
É
a Hora!
FERNANDO PESSOA
(Poemas do livro "MENSAGEM", editado em 1 de Dezembro de 1934. O único livro editado em vida do Poeta)
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