Aqui está-se
sossegado.
Longe do mundo e
da vida,
Cheio de não ter
passado,
Até o futuro se
olvida.
Aqui está-se
sossegado.
Tinha os gestos
inocentes,
Seus olhos riam
no fundo.
Mas invisíveis
serpentes
Faziam-na ser do
mundo.
Tinha os gestos
inocentes.
Aqui tudo é paz
e mar.
Que longe a
vista se perde
Na solidão a
tornar
Em sombra o azul
que é verde!
Aqui tudo é paz
e mar.
Sim, poderia ter
sido...
Mas vontade nem
razão
O mundo têm
conduzido
A prazer ou
conclusão.
Sim, poderia ter
sido.
Agora não esqueço
e sonho.
Fecho olhos, oiço
o mar
E de ouvi-lo
bem, suponho
Que vejo azul a
esverdear.
Agora não
esqueço o sonho.
Não foi
propósito, não.
Os seus gestos
inocentes
Tocavam no
coração
Como invisíveis
serpentes.
Não foi
propósito, não.
Durmo, desperto
e sozinho.
Que tem sido a
minha vida?
Velas de inútil
moinho -
Um movimento sem
lida...
Durmo, desperto
e sozinho.
Nada explica nem
consola.
Tudo está certo
depois.
Mas a dor que
nos desola,
A mágoa de um
não ser dois -
Nada explica nem
consola.
FERNANDO PESSOA,
29 DE MARÇO DE 1929
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