Assim, sem nada
feito e o por fazer
Mal pensado, ou
sonhado sem pensar,
Vejo meus dias
nulos decorrer,
E o cansaço de
nada me aumentar.
Perdura, sim,
como uma mocidade
Que a si mesma
sobrevive, a esperança,
Mas à mesma
esperança o tédio invade,
E a mesma falsa
mocidade cansa.
Ténue passar das
horas sem proveito,
Leve correr dos
dias sem acção,
Como a quem com
saúde jaz no leito
Ou quem sempre
se atrasa sem razão.
Vadio sem andar,
meu ser inerte
Contempla-me,
que esqueço de querer,
E a tarde
exterior seu tédio verte
Sobre quem nada
fez e nada quer.
Inútil vida,
posta a um canto e ida
Sem que alguém
nela fosse, nau sem mar,
Obra solenemente
por ser lida,
Ah, deixem-me
sonhar sem esperar!
FERNANDO
PESSOA, 30 DE MARÇO DE 1933
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