segunda-feira, 11 de julho de 2011

FAZ HOJE 97 ANOS

Quero, Neera, que os teu lábios laves
Na piscina tranquila
Para que contra a tua febre e a triste
Dor que pões em viver,
Sintas a fresca e calma natureza
Da água, e reconheças
Que não têm penas nem desassossegos
As ninfas das nascentes
Nem mais soluços do que o som da água
Alegre e natural.


As nossos dores, não, Neera, vêm
Das cousas naturais.
Datam da alma e do infeliz ofício
Da vida com os homens.
Aprende pois, ó aprendiza jovem
Das clássicas delícias,
A não pôr mais tristeza que um suspiro
No modo como vives,
Nascente pálida, deitando a água
Da tua vã beleza
Sobre a estiolada fé das nossas mãos
Medrosas de ter gozo
Demasiado preso à desconfiança
Que vem da tua sobra,
Não para essa vã mnemónica
Do futuro fatal.
Cantos, risos e flores alumiem
Nosso mortal destino,
Para o ermo ocultar fundo, nocturno
De nosso pensamento,
Curvado, já em vida sob a ideia
Do plutónico jugo,
Cônscio já da lívida 'sperança
Do caos redivivo.


RICARDO REIS, 11 DE JULHO DE 1914




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