sábado, 23 de julho de 2011

FAZ HOJE 101 ANOS





IN ARTICULO MORTIS


Que nos importa que a lua morta tenha ou não tenha traços
Do antigo mundo que viveu rindo?
Que seja cinza o que era calor ao calor dos nossos braços?
De nada nos serve... Fechemos os olhos, cruzemos os braços.
E desesperemos, sorrindo.


A vida é pouco e a dor é muito. Ao luar e à noite esquecemos
O nosso ser de sob o sol;
E já que a corrente nos leva silente, abandonemos os remos;
E visto, o falar a acção nos lembrar, calemo-nos, escutemos;
Talvez cante o rouxinol.


E daí quem sabe na noite o que cabe? Da solidão infinda
Talvez raie um sol  e um dia,
E à barca que erra... talvez uma terra lhe espere obscura a vinda.
Talvez não seja o rouxinol que cante. Esperemos ainda,
E talvez seja a cotovia. 


FERNANDO PESSOA, 23 DE JULHO DE 1910

Sem comentários: