quarta-feira, 27 de julho de 2011

FAZ HOJE 86 ANOS





I


Que triste, à noite, no passar do vento,
O transvasar da imensa solidão
Para dentro do nosso coração,
Por sobre todo o nosso pensamento.


No sossego sem paz se ergue o lamento
Como da universal desolação,
E o mistério, e o abismo e a morte são
Sentinelas do nosso isolamento.


'Stamos sós com a treva e a voz do nada.
Tudo quanto perdemos mais perdemos.
De nós aos que se foram não há 'strada.


O vácuo encarna em nós, na vida; e os céus
São uma dúvida certa que vivemos.
Tudo é abismo e noite. Morreu Deus.


II




'Stou só. A atra distância, que infinita
A alma separa de outra, se alargou.
Em mim, porém, meu ser se unificou.
Sou um universo morto que medita.


Se estendo a mão na solidão aflita,
Nada há entre ela e aquilo que tocou.
Satélite de um astro que findou,
Rodeio o abismo, 'strela erma e maldita.


Não há porta no cárcere sem fim
Em que me vivo preso. Nunca houve
Porta neste meu ser que finda em mim.


Vivo até no passado a solidão.
Na erma noite agora o vento chove
E um novo nada enche-me o coração...


FERNANDO PESSOA, 27 DE JULHO DE 1925

Sem comentários: