sábado, 9 de julho de 2011

FAZ HOJE 81 ANOSP

Meu pobre amigo, não tenho compaixão para te dar.
A compaixão custa, sobretudo sincera, e em dias de chuva.
Quer dizer: custa sentir em dias de chuva.
Sintamos a chuva e deixemos a psicologia para outra espécie de céu.


Com que então problema sexual?
Mas isso depois dos quinze anos é uma indecência.
Preocupação com o sexo oposto (suponhamos) e a sua psicologia.
Mas isso é estúpido, filho.
O sexo oposto existe para ser procurado e não para ser compreendido.
O problema existe para estar resolvido e não para preocupar.
Preocupar-se é ser impotente.
E você devia revelar-se menos.
"La Colere de Samson", conhece?
"La femme, enfant malade et douze foi impure!"


Mas não é nada disso.
Não me mace, nem me obrigue a ter pena!
Olhe: tudo é literatura.
Vem-nos tudo de fora, como a chuva.
A maneira? Se nós somos páginas aplicadas de romance?
Traduções, meu filho.


Você sabe porque está tão triste? É por causa do Platão,
Que você nunca leu.
O seu soneto de Petrarca, que você desconhece, saui-lhe errado.
E assim é a vida.


Arregace as mangas da camisa civilizada
E cave terras exactas!
Mais vale isso que ter a alma dos outros.


Não somos senão fantasmas de fantasmas,
E a paisagem hoje ajuda muito pouco.
Tudo é geograficamente exterior.
A chuva cai por uma lei natural
E a humidade ama porque ouviu falar de amor.


ÁLVARO DE CAMPOS, 9 DE JULHO DE 1930



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