O sino da igreja velha
Tem um som familiar,
E as casas baixas de telha
Têm telhados a brilhar.
Não sei a que o sino toca
Não sei o que o sino evoca
Meu coração não coloca
As coisas no seu lugar.
Era tão feliz outrora
Que já não sei se era eu.
Aquele que sou agora
Se existe, é porque morreu.
Não tem missa na igreja,
Nem coisa alguma que seja
O que sente ou deseja.
E o sino cessa no céu.
E à missa a que vão crentes
Ou a que vai quem lá vai
Que o sino com sons frequentes
Toca esse som que lhe sai -
Seja o que for vai tocando
E no meu coração brando
Como uma clepsidra soando
Cada som lembrado cai.
FERNANDO PESSOA, 25 DE DEZEMBRO DE
1930
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