terça-feira, 18 de dezembro de 2018

FAZ HOJE 84 ANOS





Símbolos? Estou farto de símbolos...
Uns dizem-me que tudo é símbolo.
Todos me dizem nada.

Quais símbolos? Sonhos...
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa
E ele rompe das nuvens e aponta para trás das costas
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...

Bem, vá, que tudo isso seja símbolos...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas este poente precoce e azulando-se menos,
O sol entre farrapos findos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, do outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doira a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde demorava outrora (mora perto) com o namorado que a deixou?
Símbolos?... Não quero símbolos...
Queria só - pobre figura de magreza e desamparo! -
Que o namorado voltasse para a costureira.

ÁLVARO DE CAMPOS, 18 DE DEZEMBRO DE 1934


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