Acordo de noite, muito de noite, no
silêncio todo.
São - tictac visível - quatro horas
de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no
desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela
iluminada!
Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária,
incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a
humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.
Quem será? Doente, moedeiro falso,
insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna,
informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade
das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas
luzes,
Neste momento e lugar,
ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela traseira
da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira a
que agarro,
Debruço-me para o infinito, e, um
pouco, para mim.
Nem galos gritando ainda no silêncio
definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com
luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela
incógnita...
Tem graça; não tens luz eléctrica.
Ó candeeiro de petróleo da minha
infância perdida!
ÁLVARO DE CAMPOS, 25 DE NOVEMBRO DE
1931
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