quinta-feira, 22 de novembro de 2018

FAZ HOJE 87 ANOS





É inútil prolongar a conversa de todo este silêncio.
Jazes sentado, fumando, no canto do sofá grande -
Jazo sentado, fumando, no sofá de cadeira funda.
Entre nós não houve, vai para uma hora,
Senão olhares de uma só vontade de dizer.
Renovámos, apenas, os cigarros - o novo no ocaso do velho
E continuávamos a conversa silenciosa,
Interrompida apenas pelo desejo olhado de falar...

Sim, é inútil.
Mas tudo, até a vida ao ar livre é igualmente é inútil
Há coisas que são difíceis de dizer...
Este problema, por exemplo.
De qual de nós é que ela gosta? Como é que podemos chegar a discutir isso?
Nem falar nela, não é verdade?
E sobretudo não ser o primeiro a pensar em falar nela!
A falar nela ao outro impassível e amigo...
Caiu cinza do teu cigarro no teu casaco preto -
Ia advertir-te, mas para isso era preciso falar...

Entreolhámo-nos de novo, como transeuntes cruzados.
E o pecado mútuo que não cometemos
Assomou ao mesmo tempo ao fundo dos dois olhares.
De repente espreguiças-te, semiergues-te. Escusas de falar...
"Vou-me deitar!" dizes , só porque o vais dizer.
E tudo isto, tão psicológico, tão involuntário,
Por causa de uma empregada de escritório agradável e solene.
Ah, vamo-nos deitar!
Se fizer versos a respeito disto, já sabes, é desprezo!

ÁLVARO DE CAMPOS, 22 DE NOVEMBRO DE 1931


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