É inútil prolongar a
conversa de todo este silêncio.
Jazes sentado, fumando,
no canto do sofá grande -
Jazo sentado, fumando,
no sofá de cadeira funda.
Entre nós não houve, vai
para uma hora,
Senão olhares de uma só
vontade de dizer.
Renovámos, apenas, os
cigarros - o novo no ocaso do velho
E continuávamos a
conversa silenciosa,
Interrompida apenas pelo
desejo olhado de falar...
Sim, é inútil.
Mas tudo, até a vida ao
ar livre é igualmente é inútil
Há coisas que são
difíceis de dizer...
Este problema, por
exemplo.
De qual de nós é que ela
gosta? Como é que podemos chegar a discutir isso?
Nem falar nela, não é
verdade?
E sobretudo não ser o
primeiro a pensar em falar nela!
A falar nela ao outro
impassível e amigo...
Caiu cinza do teu cigarro
no teu casaco preto -
Ia advertir-te, mas para
isso era preciso falar...
Entreolhámo-nos de novo,
como transeuntes cruzados.
E o pecado mútuo que não
cometemos
Assomou ao mesmo tempo
ao fundo dos dois olhares.
De repente
espreguiças-te, semiergues-te. Escusas de falar...
"Vou-me
deitar!" dizes , só porque o vais dizer.
E tudo isto, tão
psicológico, tão involuntário,
Por causa de uma
empregada de escritório agradável e solene.
Ah, vamo-nos deitar!
Se fizer versos a
respeito disto, já sabes, é desprezo!
ÁLVARO DE CAMPOS, 22 DE
NOVEMBRO DE 1931
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