Eu morava à beira-rio
E tinha que atravessar
Mas o barqueiro sadio
Estava sempre com fastio
De ele mesmo me levar;
Por isso a filha é que
vinha
Remar-me para o outro
lado.
Era forte, linda e tinha
Remando um ar de rainha!
Falávamos a sorrir
De quanto vinha a calhar
E, quando era para rir,
Ríamos de nos ouvir
E eu comia o seu olhar.
Vejo ainda, vejo ainda,
Como esse corpo tão
certo
Se inclinava, - mas que
linda! -
E aquele olhar nunca
finda
No meu coração
deserto...
Meu amor sinto-me quente
No alvoroço de te
abraçar.
Adoro-te realmente.
Mas há um rio de repente
E tu não sabes remar.
Perdoa, amor: não abarco
Mais que uma vaga
maneira
De ser teu, sinto-me
parco.
Meu coração vai num
barco,
Que o vai levando a
barqueira.
FERNANDO PESSOA, 10 DE
NOVEMBRO DE 1935
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