quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

FAZ HOJE 81 ANOS



Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive.
Mar sou; baixo marulho ou alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me encontro quando de mim fujo.

Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma perscruto sem intento.

Não sou quem sou. Sou o emissário meu
Não me conheço.

Sou Deus onde sou eu, aqui não sou.

Vejo passar os barcos pelo mar,
Suas velas, como asas do que vejo,
Trazem-me um vago e nítido desejo
De ser quem foi, sem eu saber que foi.
Por isso tudo lembra o meu ser lar,
E porque o lembra quanto sou me dói.


FERNANDO PESSOA, 11 DE DEZEMBRO DE 1932



Sem comentários: