domingo, 4 de dezembro de 2011
FAZ ESTE MÊS 77 ANOS
A CEIFEIRA
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegra e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
Canta como te tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó Céu!
Ó campo! ó canção! A ciência
Pesa tanto e vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
FERNANDO PESSOA, DEZEMBRO DE 1924
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário